P. EaD: WhatsApp e Clubes da Clonlara
Entre pontes e silêncios
Quando nossa família ingressou na Clonlara School Off Campus, em 2019, os espaços de interação entre estudantes e famílias eram raros e pontuais. As videoconferências trimestrais com as famílias, e semestrais com a tutora eram praticamente os únicos momentos de troca. Mas então veio a pandemia, e com ela um fluxo intenso de novas famílias, novos perfis, novas demandas. A escola, percebendo a diversidade de talentos e a potência coletiva desse grupo, fez um movimento ousado e generoso: entregou aos próprios estudantes e famílias a responsabilidade por criar, cuidar e promover os espaços de convivência.
A ideia era linda. Em vez de encontros formatados e centralizados, nasceriam conexões orgânicas, criativas, horizontais. Um ecossistema de trocas, afinidades e projetos compartilhados. Mas isso exige um nível de maturidade coletiva que nem sempre está presente. Exige que saibamos dialogar com o diferente, sustentar o desconforto, acolher o outro mesmo quando pensamos de modo oposto. E, principalmente, exige mediação ativa, escuta comprometida e cuidado com o tecido relacional. Então, na prática, a experiência foi — para nós — mais complexa.
É importante dizer — e talvez eu só tenha compreendido agora — que tudo isso aconteceu enquanto eu fazia quimioterapia. Estávamos emocionalmente exaustos. Davi e Ana buscavam nesses espaços um sopro de ar, uma pausa das dores da casa. E não encontraram. Pior: se machucaram. Houve desentendimentos, ruídos, silêncios duros. E, mais uma vez, nenhuma mediação. Nenhum adulto presente com coragem de dizer: “espera, algo está se perdendo aqui, vamos cuidar disso?”
Depois, por outras mães, ouvi que meus filhos haviam sido chamados de ríspidos. E o mais espantoso não foi o julgamento em si, mas o grau de cegueira coletiva. Pessoas que se pensam empáticas, afetuosas, diplomáticas — mas que foram, na prática, violentas. Que exigem maturidade emocional de crianças e adolescentes sem oferecer um espaço verdadeiramente seguro. Que confundem horizontalidade com omissão, autonomia com abandono.
Não escrevo isso para acusar. Sei que há responsabilidade para todos os lados. Nós também erramos. Todos erramos. Mas há algo cruel quando o erro de uns vira fofoca e vira machucado. Há algo perverso quando se espera das crianças uma fala afetuosa e uma escuta generosa que os adultos não praticam. E isso também precisa ser dito.
Grupos de WhatsApp
Vozes no vácuo e tensões não mediadas
No início, os grupos de WhatsApp pareciam uma chance de ouro: ali estavam outros estudantes da Clonlara, famílias engajadas, propostas surgindo. Ana e Davi mergulharam com entusiasmo. Escreveram, se apresentaram, elogiaram as ideias alheias, responderam perguntas. Mas, com o tempo, perceberam um padrão doloroso: escreviam e não eram respondidos. Ou então, seus convites — tão generosos e criativos — eram ignorados.
Eles convidaram colegas para:
montar um livro coletivo de haikais e desenhos;
ilustrar histórias em domínio público, como “O macaco e a banana”;
criar uma exposição virtual sobre a história do vestiário através de desenhos próprios;
As ideias não floresceram com o grupo, apenas com alguns poucos colegas. Algumas receberam retorno pontual, mas quase sempre morriam na praia. Outras causaram desentendimentos e ruídos. Diferenças de visão, de valores, de estilo de comunicação. E, o mais difícil: não havia mediação. Nenhum adulto ou responsável da Clonlara School facilitando, acolhendo, escutando.
A proposta da Clonlara parte do respeito profundo à autonomia das famílias. Mas, nesse ponto, a ausência de mediação fragiliza os espaços coletivos. Quando surgem conflitos — o que é natural e esperado em grupos humanos — não há quem cuide da escuta, quem ajude a construir pontes ou contenha a agressividade. E, para uma criança ou adolescente, entrar nesse ambiente pode ser confuso, desgastante, até desmotivador. Para Ana e Davi, isso foi particularmente frustrante: eles queriam interagir com pares, trocar ideias de igual para igual. Mas encontraram pouca escuta e pouca participação efetiva dos colegas.
Clubes de Estudos
Durante a pandemia, como já dito, a Clonlara se reinventou em muitos aspectos, e uma das mudanças mais interessantes foi também a criação dos clubes de interesse. Achei lindo o movimento: famílias se conectando, crianças e adolescentes dividindo suas curiosidades e paixões, aprendendo juntos. Me pareceu uma forma calorosa e comunitária de manter o vínculo e a motivação num momento tão difícil. A iniciativa tinha um coração generoso.
Novamente, Davi e Ana tentaram participar, somente de alguns desses clubes. Entraram com vontade, curiosos, animados, buscando amizades e um projeto para focar em algo diferente do que viviam em casa naquele momento. Mas logo perceberam que aquele formato não os chamava mais. Era como se tivessem voltado para a escola presencial tradicional, da qual tinham se despedido anos antes — e com muito custo.
Em todos os clubes que tentaram, havia uma estrutura bem parecida: um líder, geralmente um estudante mais velho, (ou os pais de um estudante mais novo), escolhia o tema do semestre ou apresentava três opções para votação. Com o tema escolhido, cada participante recebia uma tarefa. No clube de ciências, por exemplo: fulano estuda o sistema digestivo, sicrano o respiratório, e fulana o reprodutor. Cada um prepara uma apresentação, geralmente um PowerPoint, e apresenta na videoconferência no dia marcado.
O clube de história, o de filosofia… todos com essa lógica de repartição de tarefas e apresentações agendadas. Uma lógica que funciona para muita gente — eu sei. E reconheço o trabalho, o esforço, a dedicação que isso envolve. Mas, para o Davi e a Ana, aquilo não fazia mais sentido. Não despertava desejo, nem prazer, nem curiosidade genuína. Despertava lembranças. Lembranças da escola tradicional, onde todos os dias alguém dizia o que devia ser feito, como, quando e por quê.
Nós passamos juntos por uma desescolarização, um processo que mudou nossa forma de ver o aprendizado. No início, lá em 2018, confesso, eu mesma repetia a escola dentro de casa. Bolava atividades, planejava dias, cobrava resultados. Era o que eu conhecia, o que me parecia certo. Mas algo não encaixava. A alegria de aprender — que eu sabia que era possível — não acontecia.
Foi preciso coragem para parar. Para escutar meus filhos. Para permitir o vazio. Porque é difícil, sim, o momento em que a gente para de mandar e eles ainda não sabem o que fazer com essa liberdade. O “o que eu faço agora?” que eles nos perguntavam tantas vezes, no fundo era a pergunta que eu também fazia a mim mesma. Mas ali começava algo precioso: a construção de uma bússola interna.
Com o tempo, Ana e Davi foram se conhecendo, se ouvindo, se guiando. E quando um interesse surgia, eles mergulhavam fundo. Mergulhos intensos, imprevisíveis, que me ensinavam a confiar. Eu aprendi a apoiar, não a guiar. A caminhar ao lado, e não à frente. Rodrigo também. E quando as dúvidas vinham dentro da gente— porque vinham — nós íamos ler e estudar mais sobre Unschooling, buscar outras famílias pelo mundo, reafirmar que não estávamos fazendo besteira, que estávamos apenas fazendo diferente.
Foi assim que surgiu o clube de estudos deles. Um espaço sem tarefas designadas, sem cronograma. Um espaço amplo, vivo, que aos poucos foi ganhando contornos mais definidos — porque eles queriam, não porque alguém disse. E o tema que emergiu com força foi o fandom: séries, livros, filmes, personagens, universos imaginários. Um universo fértil para a criatividade, para o pensamento crítico, para o autoconhecimento.
https://clubedeliteraturainfantojuvenil.blogspot.com/
O foco do clube deles é o seguinte: explorar fandoms através de narrativas pessoais. É sobre contar a própria história com aquela série, aquele jogo, aquele personagem. É sobre lembrar quando assistiram com o pai no sofá, ou como se emocionaram lendo tal cena com a mãe. É sobre criar fanfics, desenhar fanarts, imaginar crossovers, fazer passeios no Google Earth pelos cenários das histórias. É sobre entender como aqueles mundos ficcionais ajudam a construir o nosso mundo interior.
Cada estudante pode propor projetos temáticos em que a paixão é o motor. Em que o conhecimento é consequência natural da curiosidade. Não é decorar dados, copiar e colar e apresentar um PowerPoint. É viver a experiência de aprender com sentido.
Mas é claro que foi (e ainda é) difícil encontrar colegas que queiram participar desse clube. A gente acha que é porque a proposta exige uma bússola própria. Requer tempo para se escutar, disposição para se mostrar, vontade de compartilhar sem roteiro pré-definido. E isso é raro. Não porque falta inteligência ou sensibilidade, mas porque muitos ainda estão presos ao que aprenderam a vida inteira: que estudar é cumprir tarefas, seguir direções, produzir algo avaliável.
Eu não quero dizer que esse caminho está errado. Nem que quem participa de clubes com estrutura mais tradicional está fazendo menos. Muito pelo contrário: cada família encontra seu jeito, sua medida. Só queria contar que, para os meus filhos, esse modelo não funciona. Não é julgamento. É vivência.
Sei que isso pode parecer uma crítica, e talvez até seja, mas não no sentido de apontar defeitos. É uma crítica no sentido de trazer uma outra perspectiva, baseada na nossa história, na nossa escuta, nos nossos tropeços e descobertas.
Espero que, compartilhando esse relato, outras famílias se sintam autorizadas a experimentar, a ouvir seus filhos, a confiar nos processos que não cabem em planilhas ou PowerPoints. E que a Clonlara, com sua flexibilidade tão rara, continue sendo um espaço onde essas múltiplas formas de aprender possam coexistir, se respeitar, e até — quem sabe — se cruzar.
E quando um interesse surge...
(Só para complementar)
... apesar de tudo o que aconteceu, e, talvez, até, graças a tudo que aconteceu, ainda é bem real, pulsa de dentro, nasce deles — não de uma tarefa, não de uma obrigação. Eles criaram seu próprio clube, suas próprias rotinas, seus próprios projetos. Escreveram livros, programaram jogos, fizeram trilhas sonoras, cultivaram amizades verdadeiras, mesmo que raras. Aos poucos, fomos percebendo que a ausência de resposta nos grupos não era o fim do caminho — era o empurrão para abrir trilhas novas, do nosso jeito.
Seguimos, portanto, entre pontes e silêncios. Algumas pontes se romperam, outras jamais se formaram. Mas algumas se sustentaram com força e delicadeza — e é nelas que escolhemos pousar o olhar. A Clonlara segue sendo nossa escola, nosso território de liberdade. Porque apesar das dores, das falhas, das ausências, também foi ali que encontramos apoio institucional para vivermos as experiências todas que nos transformaram. E, acima de tudo, a confiança para continuar criando do nosso modo, mesmo quando o entorno não compreende.
Esse texto não é um acerto de contas, mas uma devolutiva amorosa. Um lembrete de que espaços coletivos, mesmo os mais livres, precisam ser cuidados. Que horizontalidade sem escuta pode virar ruído. Que autonomia sem acolhimento pode virar abandono. Que o respeito às crianças e adolescentes exige presença ativa, não apenas ausência de comando.
E, ainda assim — ou talvez por isso mesmo — seguimos esperançosos. Porque aprendemos muito com tudo isso. Porque conhecemos nossa força. Porque nossa história não termina num grupo de WhatsApp, nem numa sala do Zoom, mas se expande em cada gesto de amor, em cada escolha cotidiana de respeito, em cada projeto que nasce do desejo verdadeiro de aprender junto.
Desafios e Possibilidades
A proposta da Clonlara School de confiar às famílias e aos estudantes a construção da convivência é, sem dúvida, audaciosa, sensível e coerente com sua filosofia de liberdade responsável. Essa abordagem valoriza a autonomia e o protagonismo dos alunos, princípios essenciais em uma educação que busca formar indivíduos críticos e autônomos. No entanto, essa liberdade exige um nível de maturidade coletiva que nem sempre está consolidado — seja pela diversidade de idades, experiências ou expectativas dentro dos grupos.
O Desafio da Comunicação Virtual
Em ambientes virtuais, a comunicação não acontece de forma espontânea como no presencial. Ela exige intencionalidade, clareza e, muitas vezes, mediação. A boa intenção dos participantes, infelizmente, não é suficiente para garantir interações saudáveis e produtivas. É preciso estrutura, método e, principalmente, acompanhamento pedagógico efetivo.
A experiência dos meus filhos, Ana e Davi, ilustra bem essa dificuldade. Eles enfrentaram barreiras para participar dos grupos de WhatsApp e videoconferências dos Clubes de Estudos da Clonlara School, seja pela falta de engajamento de alguns membros, pela ausência de mediação em conflitos ou pela inexistência de uma gestão clara de expectativas. A ideia de que os próprios participantes devem conduzir os espaços de interação, embora nobre, pode falhar quando não há um suporte organizado para lidar com divergências ou para incentivar a participação equilibrada de todos.
Mediação Ativa: Uma Possível Solução
Uma maneira de fortalecer esses espaços seria a presença de um facilitador — voluntário ou indicado pela escola — com formação básica em comunicação não violenta, escuta ativa ou mediação de conflitos. Esse facilitador não precisaria ser um profissional, mas alguém com orientação para:
Organizar dinâmicas que incentivem a participação de todos;
Mediar conflitos de forma imparcial, evitando que discussões se tornem desgastantes;
Definir combinados claros sobre horários, frequência e respeito mútuo;
Utilizar ferramentas digitais (e até mesmo inteligência artificial) para auxiliar na moderação e no engajamento.
Além disso, a escola poderia oferecer ou indicar oficinas gratuitas (como as disponíveis na Escola Nacional de Administração Pública ENAP) sobre convivência digital, gestão de grupos online e comunicação não violenta. Essas formações beneficiariam não apenas os estudantes, mas também famílias e mentores, fortalecendo a comunidade como um todo.
Criar Espaços Quando o Coletivo Não Acolhe
Ana e Davi não desistiram de participar, mas aprenderam que, em alguns momentos, é preciso criar seus próprios espaços quando os grupos maiores não funcionam como deveriam. Essa não é uma derrota, mas uma estratégia de resistência e autocuidado. Às vezes, grupos menores, com interesses mais alinhados, podem ser mais acolhedores e produtivos do que grandes coletivos sem mediação.
Conclusão: Liberdade Requer Suporte
A liberdade proposta pela Clonlara é valiosa, mas ela se fortalece quando acompanhada de suporte. Se a escola deseja manter sua filosofia de autorregulação, poderia investir em ferramentas de formação em mediação e estruturas mínimas de gestão de grupos, sem abrir mão da autonomia dos alunos. Assim, a convivência virtual se tornaria mais inclusiva, menos desgastante e mais alinhada com os princípios de uma educação verdadeiramente livre e responsável.
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