P. EaD: Unschooling neurodivergente

O unschooling, sem que eu soubesse, já era uma resposta intuitiva a algo mais profundo. A liberdade de não obrigar meus filhos a caberem em moldes escolares tradicionais foi, também, uma forma de permitir que o autismo deles respirasse, florescesse, se expressasse sem censura. Quando começaram a aprender em casa, percebi que a ansiedade diminuía, que as crises ficavam mais raras, que eles — pela primeira vez — pareciam seguros o bastante para serem eles mesmos.

No nosso cotidiano, tudo aquilo que o mundo costuma chamar de sintomas, nós chamamos de sinais. Sinais de quem eles são.

— Eles gostam de rotina? Sim, e rotina virou alicerce, não prisão. — São sensíveis a sons e cheiros? Sim, então cuidamos do ambiente com respeito. — Falam muito de um assunto só? Sim, e é lindo vê-los ensinar o que amam. — Se sobrecarregam fácil? Sim, e aprendemos a construir pausas como parte do dia.

A escola tradicional chamaria isso de dificuldade. O unschooling nos mostrou que é estilo. Que é linguagem. Que é o corpo pedindo outro ritmo. E assim fomos aprendendo a escutar.

A suspeita do meu próprio autismo veio como uma maré retroativa. A criança que eu fui — sensível, hipervigilante, exausta de tentar se encaixar — ganhou palavras. Comecei a entender porque o cansaço nunca passava, porque os relacionamentos sempre pareciam desgastantes, porque eu era tão boa em analisar o mundo e tão ruim em me localizar nele. E por que escrever sempre foi meu lugar seguro.

É curioso como só conseguimos ver certas coisas depois que elas ganham nome. A suspeita não veio como sentença, veio como espelho. E foi um alívio. Não estou quebrada, só sou feita de um material diferente. Meus filhos também. E quantos de nós não são?

Hoje, a gente vive algo que gosto de chamar de unschooling neurodivergente. Aqui, o currículo é feito de hiperfocos, pausas, rituais e reinvenção. Se um assunto fascina, viramos esse assunto do avesso: pesquisamos, desenhamos, escrevemos, vivemos aquilo. Se um dia é difícil, a prioridade vira o cuidado. Se há sobrecarga, a lição é: primeiro, o corpo. Depois, o resto.

E sim, ainda tem dias difíceis. Crises, mal-entendidos, silêncios longos. Mas agora sabemos o que estamos atravessando. E isso muda tudo. Saber que somos neurodivergentes nos permitiu parar de lutar contra a nossa natureza e começar a viver com ela, por ela e a partir dela.

A educação, aqui, não é sobre vencer o autismo. É sobre acolhê-lo. Não é sobre apagar as diferenças. É sobre torná-las visíveis, narráveis, celebráveis. O unschooling nos libertou da escola. O autoconhecimento nos libertou da culpa. E nessa liberdade mútua, estamos aprendendo a viver — do nosso jeito, no nosso tempo, com a nossa verdade à flor da pele.

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