P. EaD: O universo das HQs no Unschooling

No nosso caminho pelo unschooling, as histórias em quadrinhos se tornaram muito mais que entretenimento — são portas abertas para mundos infinitos, ferramentas de aprendizado e espelhos que refletem nossas próprias experiências. Através do blog Clube de Literatura Infantojuvenil, meus filhos e eu mergulhamos nesse universo plural, explorando desde os gibis de super-heróis coloridos até as tirinhas e graphic novels densas e os mangás de narrativa vertiginosa, descobrindo como cada formato tem algo único a ensinar.  


Tudo começou com os clássicos gibis brasileiros do Ziraldo e Maurício de Souza, depois os gibis de super-heróis, aqueles que muitos consideram "só diversão", mas que, na verdade, são repletos de mitologia moderna. As histórias do Homem-Aranha, por exemplo, não falam apenas de ação e aventura — elas trazem dilemas éticos, responsabilidade e a luta cotidiana entre o dever e o desejo. Meus filhos não apenas liam as revistinhas da Marvel e DC, mas discutiam como os conflitos dos personagens refletiam questões reais: o que é justiça? Até onde vai o sacrifício pelo bem comum? As HQs de heróis, muitas vezes subestimadas, mostraram-se um terreno fértil para debates sobre moral, sociedade e até mesmo política, tudo de forma orgânica, sem a rigidez de uma aula tradicional.  


Depois veio a descoberta dos mangás, com sua narrativa dinâmica e profundidade emocional. Séries como Naruto, Demons Slayer, Solo Levei g, entre muitas outras, viraram paixões instantâneas, não só pela arte ou pelas lutas épicas, mas pelas lições de perseverança, amizade e crescimento pessoal que carregam. A leitura da direita para a esquerda, os simbolismos visuais e os cliffhangers típicos dos mangás trouxeram um novo ritmo de interpretação, exigindo paciência e atenção aos detalhes. Meus filhos começaram a perceber como a cultura japonesa se infiltrava naquelas páginas, o que os levou a pesquisar sobre o Japão, folclore e até mesmo a tentar aprender algumas palavras em japonês — tudo porque uma história em quadrinhos despertou curiosidade.  


Mas foi nas graphic novels que encontramos algumas das experiências mais intensas. Obras como "A Sala do Espelho" de Liv Strömquist, que apresenta uma investigação crítica sobre padrões de beleza, autoestima e redes sociais, e "A Flor Mais Vermelha" com uma análise cultural sobre a sexualidade feminina e a construção do desejo, assim como "Origem do Mundo", também da mesma autora, que explora a história da sexualidade feminina e as influências culturais sobre o corpo da mulher. "Manual do Minotauro" do Laerte, mistura humor e reflexão filosófica para abordar questões de gênero e identidade de forma brilhante. "The Arrival" de Shaun Tan, uma história visual sem palavras sobre imigração, perda e descoberta. "O Peixe Mágico" de Trung Lê Nguyễn, uma narrativa comovente sobre identidade, imigração e aceitação. "Kampung Boy" de Lat, uma memória nostálgica sobre a infância em uma vila malaia e as transformações culturais.


Essas obras, dentre muitas e muitas outras que exploramos com nossos filhos, elas não são apenas livros ilustrados; são memórias, críticas sociais e pedaços de alma dispostos em traços e balões. Lê-las foi como assistir a documentários em formato de arte, misturando literatura, história e filosofia. No blog, registramos essas leituras com debates sobre o que cada uma representava. Essas discussões muitas vezes se estendiam para pesquisas sobre os contextos históricos, provando que os quadrinhos podem ser tão profundos e didáticos quanto qualquer livro acadêmico.  


E não poderíamos deixar de fora os quadrinhos independentes, aqueles que fogem dos grandes estúdios e trazem vozes únicas e experimentais. Autores como Quino, Laerte, Jeff Lemire, Alison Bechdel, Gemma Correll, Grant Snider, Tom Gauld, entre outros, nos mostraram que os quadrinhos não precisam se limitar a superpoderes ou fórmulas comerciais — podem ser poesia visual, autobiografia crua ou até surrealismo narrativo. Essas obras abriram espaço para conversas sobre criatividade sem limites, mostrando que arte e literatura não cabem em caixinhas definidas.  


No blog, cada resenha, cada discussão sobre quadrinhos foi um passo natural no aprendizado. Não houve aulas forçadas sobre análise literária ou história da arte, mas uma exploração guiada pela curiosidade. Meus filhos aprenderam sobre estrutura narrativa comparando as diferenças entre um mangá shonen e uma graphic novel autobiográfica; debateram ética ao contrastar as escolhas do Batman com as do Coringa; e até mesmo se arriscaram a criar suas próprias histórias, entendendo na prática como se constrói uma narrativa visual.  


O unschooling nos permitiu ver que o aprendizado não está confinado a livros didáticos ou métodos tradicionais. Ele está em tudo — inclusive nas páginas vibrantes de um gibi, nas tramas complexas de um mangá ou nas pinceladas melancólicas de uma graphic novel. E no Clube de Literatura Fandom, cada HQ lida e compartilhada foi uma prova de que, quando o conhecimento é livre para seguir seus próprios caminhos, ele pode ser tão divertido quanto profundo.

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