P. EaD: Por que gostamos de ficções?

No livro Why We Read Fiction: Theory of Mind and the Novel, a pesquisadora Lisa Zunshine propõe uma tese profundamente transformadora: ao nos envolvermos com histórias de ficção — seja na literatura, no cinema, nas séries ou em outras mídias — exercitamos uma habilidade cognitiva fundamental chamada Theory of Mind (Teoria da Mente).


A Teoria da Mente é nossa capacidade de entender que outras pessoas possuem pensamentos, emoções, crenças, desejos e intenções diferentes dos nossos. É isso que nos permite conviver, negociar, amar, cooperar, prever comportamentos e decifrar as sutilezas das relações humanas. Zunshine mostra que, ao acompanhar as tramas internas dos personagens — suas motivações, medos, erros, desejos ocultos e contradições —, nós praticamos exatamente esse tipo de leitura mental, que é essencial para a vida em sociedade.


Ela argumenta que a ficção é uma espécie de academia cognitiva para o cérebro social. Cada vez que tentamos entender por que um personagem tomou determinada decisão, ou interpretamos o que não foi dito, mas ficou subentendido numa cena, estamos, na verdade, afinando nossos próprios radares emocionais e sociais. Essa capacidade, que foi esculpida ao longo da evolução, é tão automática que nem percebemos o quanto a usamos — tanto no dia a dia quanto na relação com a ficção.


Zunshine sugere que nosso cérebro foi projetado para buscar sentido nas intenções alheias. Quando não há interação real, ele aceita de bom grado as simulações — ou seja, os personagens de ficções. Ao ler um romance, assistir a um filme ou se envolver numa série, nosso cérebro "se deixa enganar" acreditando, em algum nível, que está lidando com situações sociais reais, e então ativa os mesmos circuitos neuronais da empatia, da antecipação e da interpretação social.


Essa prática tem efeitos concretos. Estudos sugerem que leitores habituais de ficção desenvolvem maior empatia, maior flexibilidade cognitiva e melhor capacidade de lidar com ambiguidades e contradições — elementos inevitáveis em qualquer relação humana.


Ao trazer essa discussão para a educação dos meus filhos, o que fica evidente é que cada filme, cada série, cada história em quadrinhos que eles escolhem consumir se torna, na prática, uma poderosa ferramenta de desenvolvimento emocional e social. Quando eles debatem sobre as intenções de um personagem, questionam decisões, percebem nuances de olhares ou de silêncio, estão, na verdade, aprimorando habilidades sofisticadas de análise social e empatia.


Portanto, longe de ser um passatempo trivial, o envolvimento com narrativas é um laboratório vivo onde eles podem, de forma segura, experimentar os dilemas humanos, ensaiar respostas emocionais e ampliar sua compreensão sobre a complexidade da mente — própria e alheia.


No fundo, como sugere Lisa Zunshine, ler ficção (e eu diria também ver, ouvir e viver ficções) não é apenas entretenimento, mas uma forma ancestral, elegante e profundamente eficaz de treinar aquilo que nos torna humanos: a capacidade de entender o outro.

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