P. EaD: A socialização no Unschooling
Na sociologia, socialização é o processo pelo qual os indivíduos aprendem e internalizam normas, valores, comportamentos e papéis sociais de uma cultura. Ela é fundamental para que uma pessoa se torne parte funcional de uma sociedade. Aprendemos que existem dois tipos principais:
Socialização primária: ocorre na infância, geralmente na família. Ensina o básico para viver em sociedade (linguagem, afeto etc.).
Socialização secundária: ocorre ao longo da vida, em instituições como escola, trabalho, religião, meios de comunicação, redes sociais etc.
Autores como Émile Durkheim, George Herbert Mead, Berger e Luckmann, Norbert Elias são referências importantes aqui.
A socialização simbólica
Mas, a socialização implica apenas interação direta entre pessoas? Não. A socialização não exige, necessariamente, interação face a face. Mesmo interações mediadas por tecnologia ou experiências com produtos culturais podem contribuir para a socialização, especialmente na era digital, e em nosso Unschooling valorizamos muito esse tipo de socialização. Exemplos:
Ler um livro: é uma forma de absorver visões de mundo, regras morais, modos de pensar, isso é socialização simbólica.
Ouvir um podcast ou ver um YouTuber: é contato com discursos sociais, com identidades em performance, com narrativas de vida que moldam nossas percepções e valores.
Jogar online com alguém: além da troca de estratégias e emoções, há negociação de regras, construção de vínculos, convivência com a alteridade, isso é socialização em rede.
A diferença fundamental é que esses meios operam por socialização simbólica, indireta, e não necessariamente presencial.
Autores como Zygmunt Bauman, Manuel Castells, Sherry Turkle, Pierre Lévy exploram como a socialização mudou nas últimas décadas. A tecnologia ampliou as formas de convívio. As redes digitais criaram “tribos afetivas” e “comunidades de afinidade”.
A construção do self se tornou mais fluida, plural, exposta e influenciada por trocas simbólicas complexas, há uma socialização expandida, que atravessa dispositivos, linguagens e plataformas, muitas vezes escapando do modelo tradicional de “pessoa presente falando com outra”. É uma socialização em que também se está aprendendo modos de ser no mundo, negociando valores e estabelecendo vínculos, mesmo que silenciosos, assimétricos ou à distância.
A socialização cotidiana
Além disso, no Unschooling a gente valoriza também essas experiências simples, como ir à farmácia, padaria, parque, feira, que também são formas de socialização, mas operam em outra camada: a socialização cotidiana, situada no espaço público, muitas vezes de forma mais espontânea, efêmera e não planejada.
O que está em jogo nesses espaços? Mesmo que você não tenha longas conversas ou vínculos duradouros nesses lugares, está:
Vivendo normas sociais compartilhadas (fila, troco, educação, cuidado com o espaço comum).
Percebendo e sendo percebida e isso molda a sua identidade pública.
Interagindo com símbolos culturais e sociais (roupas, sotaques, gestos, práticas de consumo).
Sendo afetada por presenças humanas, olhares, vozes, jeitos de andar, cheiros, atmosferas.
Como dizia Erving Goffman, a vida social se constrói também nos "encontros de fachada", nos pequenos rituais da convivência que parecem banais, mas que sustentam o tecido social. Alguns autores classificam os espaços sociais assim:
Espaços formais, como trabalho, igrejas, onde há normas e objetivos claros.
Espaços informais, como praças, feiras, parques, com interações mais livres.
Espaços de passagem, como farmácias, padarias, ônibus, onde o contato é breve, mas ainda assim socialmente regulado.
Esses lugares cumprem o papel de manter a coexistência social, criar uma sensação de pertencimento, e até de alimentar formas brandas de solidariedade. E existem dimensões importantes nesses contextos:
Corpo e presença - você está entre corpos, cheiros, sons, é uma socialização sensorial, vivida.
Implicação emocional - até breves interações (um bom dia, um sorriso, uma gentileza) podem impactar nosso estado emocional e nossa visão da sociedade.
Aprendizado de papéis sociais - você desempenha o papel de cliente, pedestre, mãe com filhos no parque, e observa outros desempenhando os seus.
Então sim, isso também é socialização. Mas é uma socialização "de baixa intensidade", que não exige intimidade nem continuidade, e ainda assim é crucial para o sentimento de estar no mundo com os outros. Ela regula afetos, ensina limites, conecta você a uma linguagem comum e à noção de “vida compartilhada”.
O mito da socialização escolar
Sempre que digo que meus filhos não frequentam uma escola presencial tradicional, uma pergunta se repete como um mantra ansioso:
“Mas… e a socialização?”
A pergunta vem carregada de pressupostos. Quem a faz parte de uma cultura em que a escola se tornou sinônimo de infância, e a infância, sinônimo de sala de aula. Nessa lógica, estar com outras crianças da mesma idade, em tempo integral, seria não apenas suficiente, mas necessário para aprender a conviver. O problema é que essa crença raramente é questionada. Poucos se perguntam que tipo de socialização realmente acontece na escola, e a que custo.
Eu me lembro, com nitidez desconfortável, de como a “socialização escolar” se deu na minha infância:
– Pedir permissão para falar.
– Pedir permissão para ir ao banheiro.
– Não conversar com os colegas durante a aula.
– Não atrapalhar as outras turmas nos corredores.
– Usar o recreio (curto) para lanchar rapidamente e se preparar para a próxima aula.
Quando meus filhos passaram pela escola presencial tradicional, a experiência foi a mesma. Certa vez, pedi mais tempo de recreio para que pudessem brincar — e fui corrigida pela diretora: "Agora chamamos de intervalo, e o intervalo não é para brincar. É para comer e descansar a mente."
Essa frase ficou na minha memória como um símbolo de tudo que está invertido.
Afinal, o que é socializar?
Socializar é aprender a viver com os outros, em suas diferenças e em conflitos e acordos. É experimentar trocas reais, espontâneas, significativas. É treinar empatia, escuta, presença. E isso não se aprende com um adulto dizendo a hora de falar, comer ou ir ao banheiro.
Na verdade, a escola tradicional, com sua organização rígida e industrial, tolhe mais do que promove a socialização. Reúne pessoas da mesma faixa etária, muitas vezes da mesma classe social e do mesmo bairro também, em salas fechadas, com pouca liberdade de movimento e quase nenhuma possibilidade de expressão autêntica. A conversa entre pares é frequentemente tratada como desvio de conduta. A escuta é unilateral. A convivência é mediada por hierarquias e punições. Não é exagero dizer que, para muitas crianças, a escola é o lugar onde aprendem a se calar, a competir, a se comparar, a obedecer antes de pensar.
Então me pergunto: que tipo de socialização é essa que tantos defendem com tanto fervor?
As outras socializações que ninguém vê
No Unschooling, a socialização não está confinada ao “intervalo”. Ela é constante, fluida, rica, orgânica.
Há a socialização simbólica, quando meus filhos mergulham em livros, filmes, séries, quadrinhos, vídeos e jogos que os conectam a personagens, ideias e culturas diversas. Há mais diálogo interno e externo com o mundo nesses encontros do que em muitos anos de escola. Eles criam resenhas, fanfics, ilustrações, compartilham online com outros jovens com os mesmos interesses — e aprendem a lidar com comentários, feedbacks, admiração, rejeição. Isso é socialização.
Há a socialização cotidiana, com o padeiro que já sabe qual pão Davi prefere, com a moça da farmácia que elogia os olhos de Ana, com os idosos da feira que contam causos, com a senhora da barraca de tapioca que compartilha memórias. Há escuta e afeto nessas interações. Há aprendizado profundo de como estar no mundo com os outros.
Há a socialização intergeracional, entre irmãos, primos, vizinhos, avós, amigos da família. Ana e Davi conversam com adultos sobre temas que amam, trocam memes com adolescentes do mundo inteiro, criam laços sinceros com quem realmente se interessa pelas mesmas coisas. E não, não tem idade mínima nem máxima para conexão genuína.
Há a socialização íntima da vida em família. Sim, essa também conta. Conviver com quem nos ama e conhece profundamente é um desafio real e transformador. Aprender a pedir desculpas, a esperar o outro, a negociar, a cuidar — tudo isso é socialização em estado puro.
Socialização não é aglomeração
É comum confundir quantidade de gente com qualidade de interação. A escola tradicional reúne muitas crianças, mas isso não garante trocas significativas. Em muitos casos, garante apenas exposição a bullying, exclusão, comparações cruéis e solidão coletiva.
No Unschooling, buscamos qualidade, não quantidade. Meus filhos não precisam estar com dezenas de outras crianças todos os dias para se tornarem sociáveis. Eles precisam de vínculos reais, de tempo para cultivar amizades verdadeiras, de liberdade para serem quem são, sem serem enquadrados, rotulados ou punidos por isso.
A escola como forma de socialização
Talvez o mais difícil de reconhecer seja isso: a escola tradicional produz uma socialização artificial, padronizada, obediente. Ensina as crianças a se adaptarem ao sistema, não a se conhecerem. As ensina a se encaixar, não a criar. A se comparar, não a cooperar. É uma socialização voltada para o mercado, para a ordem, para o desempenho. No Unschooling, a socialização é voltada para a vida.
E no fim, a pergunta se inverte. Quando alguém me pergunta se meus filhos vão se socializar sem escola, eu respondo com outra pergunta: “Você acha mesmo que socializar é o que acontece dentro da escola?”
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