P. Videogames: Brasil no Minecraft - parte 2

Como o Minecraft Me Ajudou a Descobrir Que o Brasil Foi Construído Sobre Sangue, Roubo e Mentiras Europeias

Eu sempre curti jogar Minecraft, mas nunca pensei que construir mundos no jogo me ajudaria a entender a maior injustiça da história: como os europeus vieram para o Brasil, exploraram tudo o que podiam e, até hoje, escondem essa verdade em livros de história e museus bonitinhos.

Exploradores? Ou saqueadores organizados?

Algumas apostilas, às vezes dizem que os portugueses eram “exploradores corajosos”. Mas quando comecei a estudar a história enquanto jogava Minecraft, descobri outra coisa ...

Armas invisíveis: as doenças
Muita gente acha que as epidemias foram “acidentais”. Mas documentos mostram que os europeus tinham consciência do efeito devastador da varíola e da gripe sobre populações indígenas, que não tinham imunidade (a tese de Rafael Pacheco). Em algumas regiões, como na América do Norte, há registros de cobertores contaminados sendo deliberadamente distribuídos. Então no jogo, coloquei “poções de veneno” nos baús que eles “davam de presente” aos indígenas.

Roubo de recursos em escala industrial
Entre 1503 e 1510, apenas as expedições portuguesas enviaram aproximadamente 5 toneladas de pau-brasil por viagem para a Europa (Ciclo econômico do pau-brasil). Era tanto pau-brasil que, em poucos anos, as matas litorâneas ficaram devastadas. No Minecraft, marquei as árvores com caveiras para mostrar o desmatamento. Infelizmente, esse roubo acontece até hoje. O superintendente da PF Alexandre Saraiva fez a maior apreensão de madeira ilegal da história do Brasil. Em dezembro de 2020, mais de 200 mil metros cúbicos do material vindos do Pará foram confiscados pela Polícia Federal no Amazonas. A carga, transportada em balsas pelo rio Madeira, representava a morte de aproximadamente 65 mil árvores de espécies como ipê, maçaranduba, cumaru e angelim. Essa madeira seria toda exportada para a Europa.


Escravidão: mais do que “trabalho forçado”
Alguns professores costumam falar “trabalho forçado”, mas parece até eufemismo. O que aconteceu foi um sistema brutal de escravidão, que matou milhões. Historiadores estimam que entre 12% e 30% dos africanos escravizados morriam durante a travessia do Atlântico, dependendo do período e da rota (The Transatlantic Slave Trade Database). No meu Minecraft, construí navios negreiros e coloquei zumbis nos porões para representar como eram tratados como coisas, não como pessoas. Crianças escravizadas, às vezes com apenas 6 anos, eram marcadas a ferro com símbolos dos donos, para impedir fugas (Klein & Luna, Slavery in Brazil, 2010). No jogo, usei blocos de netherite para simbolizar essas marcas.


O roubo da fauna e flora
Quando falam do colonialismo europeu na América Latina, quase sempre lembram do ouro, da prata, do pau-brasil. Mas existe um roubo tão gigantesco quanto — só que mais silencioso: eles roubaram nossa biodiversidade. Plantas, animais e saberes indígenas foram transformados em produtos de luxo, remédios e commodities que enriqueceram impérios, enquanto nós ficamos com a pecha de “subdesenvolvidos”.


E o mais revoltante: até hoje continuam lucrando em cima do que é nosso — e ainda nos culpam pelos problemas ambientais do mundo. E nada disso é contado nos livros de História ...

🌱 Plantas Roubadas (e Patenteadas por Europeus)

Borracha (Seringueira)
No século XIX, Henry Wickham, um inglês, contrabandeou 70 mil sementes de seringueira da Amazônia. Plantaram-nas na Malásia, acabaram com o monopólio brasileiro e quebraram a economia da borracha. Manaus, que já foi símbolo de riqueza, virou quase cidade-fantasma. Enquanto isso, Londres nadava em libras.

Quina (Cinchona)
Indígenas sul-americanos usavam a casca da quina para tratar malária muito antes dos europeus saberem o que era essa doença. No século XIX, europeus roubaram mudas e plantaram em Java (Holanda) e Índia (Inglaterra). Hoje, gigantes farmacêuticas europeias ainda lucram com derivados da quinina — sem pagar nada às comunidades que descobriram o remédio.

Cacau
Para os maias e astecas, o cacau era o “alimento dos deuses.” Depois que os espanhóis levaram mudas para a África, países como Gana e Costa do Marfim se tornaram os maiores produtores — exportando cacau barato enquanto as grandes marcas europeias vendem chocolate gourmet caríssimo.

Abacaxi, batata, tomate, milho
Todos domesticados por povos indígenas americanos, viraram “comida europeia”. A batata, dos Andes, salvou milhões de europeus da fome. Algum royalty pago ao Peru? Nenhum.

🐢 Animais Extintos ou Explorados Até a Morte

Tartaruga-das-Galápagos
Navios europeus levavam milhares de tartarugas vivas para usar como “estoque de carne fresca” em viagens. Resultado: quatro espécies extintas e várias outras à beira do desaparecimento.

Lobos-guará, onças, araras
Viraram troféus e peles empalhadas em museus como o British Museum. Durante os séculos XVIII e XIX, naturalistas europeus saíam “coletando espécimes” — o eufemismo para matar e empalhar nossa fauna.

Beija-flores
Na era vitoriana, milhares de beija-flores foram assassinados só para enfeitar chapéus das damas europeias. Sim, puro ornamento.

🧬 Saberes Indígenas Roubados (Biopirataria)

Veneno de sapo (Kambô)
Usado por comunidades indígenas amazônicas para tratar infecções e dar resistência ao corpo. Hoje, empresas europeias patentearam substâncias do veneno para criar tratamentos “de luxo” — que custam milhares de euros.

Ayahuasca
Bebida sagrada dos povos andinos e amazônicos. Agora virou modinha entre hipsters europeus que cobram € 3.000 por semana em “retiros espirituais”, sem repassar um centavo às comunidades que guardam esses saberes há séculos.

Sementes crioulas
Por gerações, indígenas selecionaram sementes resistentes, adaptadas ao solo e clima. Agora, empresas europeias como Monsanto/Bayer patentearam essas sementes. Você planta, mas é obrigado a pagar royalties para eles.

🌎 O Roubo Continua: Agronegócio Europeu na América Latina

A Europa compra imensas áreas de terra na América Latina para plantar soja e criar gado. Depois, nos acusa de destruir o planeta por causa do desmatamento do Cerrado.

Empresas alemãs estudam abelhas nativas sem ferrão, tradição indígena chamada meliponicultura, para explorar comercialmente o mel brasileiro — sem reconhecimento cultural ou econômico para os povos indígenas que preservaram esses saberes.

🤬 “Ah, mas isso é passado…”
Quando algum europeu vem com essa frase, aqui vão perguntas que eles não conseguem responder:
1. Por que a Syngenta (Suíça) tem mais de 1.500 patentes de sementes originárias da América Latina?
2. Por que a França ainda mantém controle territorial sobre a Guiana (em plena América do Sul)?
3. Por que a União Europeia paga R$ 0,05 por uma banana equatoriana e vende por € 2,50 nos supermercados?
E a lista é gigantesca!
Nada disso é “passado”. O saque continua.

📚 Quer se aprofundar?

“Ladrões de Sementes” (Vandana Shiva) — Sobre biopirataria.

“1493” (Charles Mann) — A história global das plantas roubadas.

Documentário “O Veneno Está na Mesa” (Silvio Tendler) — Impacto do agronegócio europeu na América Latina.
 
“Eles chamam de ‘descobrimento’. Nós chamamos de o maior roubo ecológico da história.”

A mentira do “progresso europeu”
Muitos livros dizem que os portugueses “trouxeram desenvolvimento” para o Brasil. Mas lendo e estudando enquanto joguei com a minha família, percebi que foi o contrário. Só em Minas Gerais, estima-se que cerca de 800 toneladas de ouro foram extraídas e enviadas a Portugal entre 1700 e 1800. Carlos Borges, em seu livro "O Ouro do Brasil e o Comércio Anglo-Português", mostra como o ouro brasileiro foi usado para equilibrar o déficit comercial português, especialmente com a Inglaterra. Portugal dependia das exportações de ouro para pagar importações de manufaturados. Portanto, o ouro que Portugal roubou do Brasil ajudou a bancar a Revolução Industrial inglesa. Estima-se que Portugal também roubou milhões de quilates de diamantes dos indígenas que habitavam as terras hoje chamadas de Brasil. A exploração do ouro e do diamante também financiou a nobreza portuguesa e sustentou o luxo da corte de D. João V, conhecido como "o Magnânimo" justamente por sua riqueza proveniente do Brasil. No Minecraft, criei mapas que mostram o caminho do ouro saindo das minas até os portos.

Qualquer tentativa de minimizar o impacto do ouro brasileiro na economia portuguesa é desonestidade intelectual. O ouro não só enriqueceu a elite lusitana como financiou a reconstrução de Lisboa, sustentou o comércio europeu e manteve Portugal relevante geopoliticamente.  

Quando europeus repetem que “não roubaram nada porque era tudo colônia deles”, é como se um sequestrador dissesse: “não roubei essa criança, ela era minha propriedade.” A simples afirmação de posse não legitima o crime. Colônia nunca foi sinônimo de direito legítimo — foi um regime de violência imposto por canhões, doenças, massacres e leis inventadas para justificar o saque. Nenhum indígena ou africano assinou contrato algum dizendo: “sim, podem nos escravizar e levar nosso ouro.”

Além de terras e riquezas, os europeus roubaram até o conceito de dono. Chegaram a regiões que já tinham habitantes, culturas e sistemas de posse consolidados, mas espalharam a mentira de que eram “terras sem povo.” No Brasil, por exemplo, havia mais de mil nações indígenas. E não satisfeitos em ocupar, ainda destruíram documentos e registros — como os códices astecas — para apagar a memória dos povos que lá viviam.

Todo o suposto “direito” europeu era uma piada criminosa. As bulas papais entre 1450 e 1500, por exemplo, davam autorização para Portugal e Espanha “doarem” terras que nem sequer conheciam, como se África e América fossem terrenos baldios. O Tratado de Tordesilhas, em 1494, foi o cúmulo do absurdo: dois países europeus dividiram entre si continentes inteiros, ignorando completamente os milhões que já viviam lá.

Se alguém duvida do roubo, basta olhar os números: só da Bolívia, os espanhóis extraíram cerca de 40 mil toneladas de prata — o equivalente a oito mil caminhões carregados até a tampa. E qual o resultado hoje? Potosí, que já foi a maior mina do mundo, está entre as cidades mais pobres da Bolívia.

Outra falácia frequente é dizer que os europeus trouxeram “progresso.” Antes deles, os astecas tinham hortas flutuantes (chinampas) e ruas limpas; os incas construíram estradas melhores do que as romanas. Depois da chegada europeia, a população indígena caiu cerca de 95% — de 70 milhões para 3,5 milhões em apenas 150 anos — e a África perdeu mais de 100 milhões de pessoas para o tráfico negreiro. Que “progresso” é esse?

E há ainda a contradição suprema: eles admiram o próprio roubo quando lhes convém. O Museu Britânico exibe com orgulho mais de 73 mil peças roubadas da África e das Américas — e se recusa a devolvê-las. O Reino Unido continua lucrando até hoje com diamantes extraídos em ex-colônias.

O que Eu Construí no Minecraft (e Aprendi):

1. Quilombo com defesas — Criei um quilombo com redstone para ativar armadilhas, mostrando como os quilombolas precisavam se proteger dos capitães-do-mato.

2. Uma versão realista do primeiro encontro — Fiz o “descobrimento” no jogo, mas coloquei arqueiros portugueses atirando, porque a chegada foi violenta em muitos lugares, não pacífica como dizem.

3. Casa-Grande com senzala — Modelei a Casa-Grande e a senzala lado a lado, mostrando que riqueza e miséria estavam sempre grudadas.

Estudar história enquanto jogo Minecraft me fez ver que o mundo é muito mais complexo — e muito mais injusto — do que dizem nos livros escolares. E que a gente precisa falar sobre isso, para não repetir as mesmas mentiras.

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