P. Videogames: o Brasil no Minecraft - parte 1

Nossa exploração do Minecraft, como ferramenta educativa para o entendimento da formação do Brasil, com nossos filhos, foi profundamente influenciada pela perspectiva de Milton Santos, especialmente em seu trabalho "The Shared Space: the Two Circuits of the Urban Economy in Underdeveloped Countries". Santos argumenta que compreender os eventos históricos de um país, como o Brasil, não é possível por meio de comparações simplistas entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas. Ele desafia a visão de que os países subdesenvolvidos estão simplesmente em transição para o desenvolvimento, destacando que suas trajetórias históricas foram distintas e moldam suas realidades atuais.


Como o Minecraft Nos Ajudou a Entender a Verdadeira História do Brasil (Além das Narrativas Europeias)

Em nossa casa, usamos o Minecraft não apenas como jogo, mas como uma ferramenta educativa para revisitar a história do Brasil de forma crítica. Queríamos enxergar o país além das narrativas convencionais, muitas vezes marcadas por uma perspectiva eurocêntrica que minimiza ou distorce as violências e os processos históricos que nos trouxeram até aqui.

Por que Minecraft?

Porque no Minecraft é possível construir mundos — mas também questionar aqueles que foram impostos. E poucas narrativas foram tão impostas quanto a de que o Brasil estaria apenas “em transição” rumo a um estágio de desenvolvimento semelhante ao europeu. Essa é uma visão que simplifica trajetórias históricas complexas, ignora violências estruturais e perpetua estereótipos sobre povos e territórios considerados “periféricos”.

A Visão de Milton Santos

Nosso trabalho foi profundamente influenciado por Milton Santos, geógrafo brasileiro e autor de The Shared Space. Para Santos, não se pode compreender países como o Brasil apenas por comparações lineares com as nações ditas “desenvolvidas”. Ele nos alerta que:

O Brasil não é naturalmente “subdesenvolvido”; foi historicamente empobrecido por processos de exploração colonial.

A riqueza europeia se construiu, em grande medida, sobre recursos, trabalho e vidas de populações africanas, indígenas e latino-americanas.

O progresso europeu, frequentemente apresentado como exemplo universal, não pode ser dissociado dos sistemas de dominação que sustentaram sua ascensão.


Santos identificou três grandes ondas de modernização no Brasil, todas profundamente marcadas por interesses externos. Cada uma delas prometeu progresso, mas também consolidou formas de dependência econômica e social.

A Perspectiva de Outros Autores

Essa crítica não é exclusiva de Milton Santos. Autores como Jack Goody (The Theft of History), James Blaut (Eight Eurocentric Historians), John M. Hobson (The Eastern Origins of Western Civilization) e Andre Gunder Frank (Capitalismo y Subdesarrollo en América Latina), entre outros, argumentam que a história global não é linear, nem exclusivamente europeia. O que chamamos de “modernidade” é resultado de múltiplas trocas culturais, científicas e econômicas — muitas vezes marcadas por violência e espoliação.

Edward Said, em Orientalismo, nos mostrou como a Europa construiu imagens do “outro” para legitimar dominação e saque. Essa estratégia, longe de ser apenas retórica, continua presente nas estruturas econômicas e políticas globais.

O que construímos no Minecraft

No Minecraft, nossos filhos reconstruíram:

Navios negreiros, representando não apenas a brutalidade do tráfico atlântico, mas também formas de resistência dos africanos escravizados.

Minas de ouro, onde populações indígenas foram dizimadas para alimentar a cobiça europeia.

Quilombos, como Palmares, símbolos da capacidade de organização social e política de povos que se recusaram à escravidão.


Essas construções virtuais nos ajudaram a transformar a história em algo experiencial. Deixou de ser apenas leitura: virou espaço de reflexão e ação.

Colonialismo ontem e hoje

Não há como ignorar que o colonialismo persiste sob outras formas. Embora as antigas metrópoles já não administrem diretamente seus antigos territórios, continuam exercendo influência econômica e política:

A França, por exemplo, mantém controle sobre as reservas financeiras de 14 países africanos por meio do franco CFA, obrigando-os a depositar parte significativa de suas reservas no Banco da França.

A União Europeia firma acordos de livre comércio, como o UE-Mercosul, que muitas vezes favorecem corporações europeias em detrimento da produção local na América Latina.

Grandes empresas internacionais seguem explorando petróleo, ouro e outros recursos em países como Congo, Nigéria ou Bolívia, perpetuando cenários de pobreza e dependência.


Rebeldia como aprendizado

Para nós, aprender História é também um ato político. É escolher não aceitar explicações superficiais que reduzem a complexidade dos processos históricos. É buscar vozes como a de Milton Santos para iluminar outras possibilidades de entender o Brasil — e o mundo.

Nossos filhos vão compartilhar aqui no blog os projetos que criaram no Minecraft para estudar a formação do Brasil. Porque questionar é, também, uma forma de construir futuro.

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