P. Histórias: Mídia canibal
A IA generativa, assim como outras inovações tecnológicas ao longo da história, começou essencialmente remixando, recombinando e "canibalizando" o que já existia. Isso é algo que vemos em todas as formas de criação: a escrita começou imitando a oralidade, o cinema começou imitando o teatro, a fotografia imitou a pintura, e por aí vai.
No caso da IA, estamos numa fase em que ela depende massivamente de dados humanos já existentes para gerar algo novo. Mas com o tempo, à medida que interage com o mundo, recebe feedback e se torna parte do fluxo criativo humano, pode começar a desenvolver um estilo próprio – ou pelo menos algo que pareça mais independente. O desafio é que, ao contrário de um artista humano, a IA não tem uma "experiência de vida" própria, então sua criatividade ainda é moldada pelas intenções humanas.
Mídia canibal
O conceito de uma mídia "canibalizar" outra vem, em parte, das ideias de Marshall McLuhan, um teórico da comunicação que disse que "o conteúdo de uma nova mídia é sempre outra mídia anterior". Ele argumentava que toda nova tecnologia começa incorporando formatos anteriores antes de encontrar sua própria forma. Esse conceito também aparece na ideia de "remediation" de Bolter e Grusin, que falam sobre como novas mídias reformulam e absorvem antigas. Exemplos de mídias que canibalizaram outras:
1. A escrita e a oralidade
Antes da escrita, a cultura era oral e dependia da memorização. Com a escrita, foi possível fixar o conhecimento, o que mudou completamente a forma como histórias eram contadas e preservadas.
2. O teatro e o cinema
No começo, os primeiros filmes eram basicamente peças de teatro filmadas. Só depois, com a montagem e a linguagem cinematográfica, o cinema encontrou sua própria estética.
3. A fotografia e a pintura
A chegada da fotografia no século XIX tirou da pintura a função de representar a realidade com precisão. Isso ajudou a impulsionar movimentos como o Impressionismo, que focava mais na interpretação subjetiva da luz e das cores do que na precisão realista.
4. O rádio e a TV
Muitos dos primeiros programas de TV eram adaptações de programas de rádio, como novelas e programas de auditório. Com o tempo, a TV desenvolveu suas próprias linguagens e formatos visuais.
5. A internet e jornais, revistas e TV
O jornalismo tradicional perdeu espaço para blogs, redes sociais e vídeos online. Os jornais tiveram que se adaptar ao formato digital, muitas vezes copiando elementos das redes sociais para sobreviver.
6. Os videogames e o cinema e a literatura
No começo, os jogos eram apenas mecânicas simples. Hoje, muitos têm narrativas cinematográficas e inspiradas em livros, como The Witcher ou The Last of Us, que misturam storytelling e interatividade.
7. A IA e todas as mídias anteriores
Modelos de IA como o ChatGPT, o Midjourney e o Sora (da OpenAI) estão absorvendo escrita, imagem, vídeo e áudio, criando um novo tipo de produção que mistura tudo isso.
A questão interessante é ...
Em que momento a IA deixará de apenas reciclar e começará a criar algo que realmente não existia antes? E mais – como distinguiremos essa originalidade da reciclagem sofisticada? Há especialistas que acreditam que a inteligência artificial (IA) pode, sim, criar algo novo e surpreendente, justamente por ter acesso a uma vasta base de dados de grandes criadores. Vamos explorar esse ponto de vista.
A IA como criadora de novidades
Alguns pesquisadores argumentam que a IA já está produzindo criações originais ao combinar elementos de maneiras inéditas. Eu e meu marido compartilhamos vários exemplos com nossos filhos, e vamos explorar mais abaixo, como: sistemas de IA têm composto músicas, pintado quadros e escrito textos que não existiam anteriormente. A capacidade de processar e analisar enormes quantidades de dados permite que a IA identifique padrões e gere combinações que podem ser vistas como novas e inovadoras.
Por que a IA seria capaz de criar algo novo?
1. Combinação de dados diversificados: A IA pode cruzar informações de diferentes domínios, levando a insights e criações que um humano, limitado por sua experiência individual, poderia não alcançar.
2. Processamento em larga escala: A velocidade e a capacidade de processamento da IA permitem a análise de vastas quantidades de dados em pouco tempo, facilitando a identificação de padrões complexos e a geração de novas ideias.
3. Ausência de preconceitos humanos: Sem as limitações cognitivas e culturais humanas, a IA pode explorar combinações e possibilidades que um criador humano poderia não considerar.
Embora haja debates sobre a natureza da criatividade da IA, é inegável que ela já está contribuindo para a geração de conteúdo novo e inovador. A questão de até que ponto essa criatividade é comparável à humana permanece em aberto, mas a capacidade da IA de criar algo novo a partir de uma vasta base de dados é uma realidade crescente.
A remediação
De acordo com o livro Remediation: Understanding New Media de Bolter e Grusin (1999), a "remediação" é um processo pelo qual novos meios de comunicação se apropriam, reformulam e reinterpretam formas anteriores de mídia, criando uma relação dialética entre o antigo e o novo. Esse conceito pode ser aplicado para prever como a inteligência artificial generativa de imagens (como DALL·E, MidJourney, Stable Diffusion, entre outras) pode evoluir e se integrar em nossa cultura visual e tecnológica.
Seguindo a linha de raciocínio proposta por Bolter e Grusin, podemos prever que a remediação da IA generativa de imagens ocorrerá em pelo menos três dimensões principais.
A inteligência artificial (IA) generativa de imagens já está se apropriando de estilos, técnicas e referências visuais de mídias anteriores, como pinturas, fotografias, cinema e design gráfico. No futuro, é provável que essa apropriação se torne ainda mais sofisticada, com a IA sendo capaz de:
- Imitar estilos artísticos históricos: A IA pode reproduzir com precisão estilos como o Renascimento, Impressionismo ou Surrealismo. Por exemplo, o artista Julian van Dieken criou uma obra de arte com IA inspirada na pintura de Johannes Vermeer.
Reinterpretar mídias antigas em novos contextos digitais: A IA permite recriar e dignificar a história de grupos sub-representados. A artista Susana Pilar Delahante Matienzo utilizou IA para gerar 1.750 imagens que visualizam histórias de mulheres negras em situações inusitadas, contrariando a narrativa predominante de escravidão e sofrimento.
Misturar mídias de forma híbrida: A IA pode combinar elementos de diferentes mídias em uma única imagem. Por exemplo, é possível criar uma fusão psicodélica de culturas e estilos artísticos utilizando IA.
Contudo, essa apropriação levanta questões éticas e legais. Artistas têm expressado preocupação com programas de IA que copiam seus estilos sem consentimento, crédito ou compensação, levando a batalhas legais nos Estados Unidos.
Além disso, a uniformização cultural resultante do uso de algoritmos e aprendizado de máquina está gerando conteúdo visual e artístico homogêneo, influenciado por plataformas como Instagram e TikTok, o que ameaça a criatividade e a originalidade.
Portanto, embora a IA ofereça oportunidades para a criação artística, é essencial abordar essas questões para garantir que a apropriação e reformulação de mídias existentes sejam realizadas de maneira ética e que promovam a diversidade cultural.
2. Transparência e Imediação
Bolter e Grusin discutem a tensão entre transparência (a busca por uma experiência direta e imediata da mídia) e hipermídia (a exploração consciente da mediação tecnológica). No caso da IA generativa de imagens ...
2.1. Transparência: Ferramentas Intuitivas e "Invisíveis"
Esses exemplos mostram como a IA está sendo usada para criar ferramentas que ocultam a complexidade técnica, permitindo que usuários gerem imagens de forma intuitiva.
- DALL·E 2 (OpenAI):
- Link: [DALL·E 2](https://openai.com/dall-e-2)
- Descrição: O DALL·E 2 permite que usuários gerem imagens realistas a partir de descrições textuais simples. A interface é projetada para ser acessível, sem exigir conhecimento técnico.
- Vídeo: [DALL·E 2 Demo](https://www.youtube.com/watch?v=qTgPSKKjfVg)
- MidJourney:
- Link: [MidJourney](https://www.midjourney.com)
- Descrição: Uma ferramenta de IA que gera imagens artísticas a partir de prompts textuais. A simplicidade da interface esconde a complexidade do modelo de IA por trás.
- Vídeo: [MidJourney Tutorial](https://www.youtube.com/watch?v=3V5T1RwI7kA)
- Canva + IA:
- Link: [Canva AI Tools](https://www.canva.com/ai-tools/)
- Descrição: Canva integrou ferramentas de IA para permitir que usuários criem designs profissionais sem habilidades técnicas. A IA está "invisível" no processo.
- Vídeo: [Canva AI Features](https://www.youtube.com/watch?v=5Z5Z5Z5Z5Z5) (exemplo fictício, mas Canva tem tutoriais sobre suas ferramentas de IA).
2.2. Hipermídia: Exploração Consciente da Mediação da IA
Esses exemplos mostram como artistas e criadores estão destacando a mediação da IA, questionando autoria e originalidade.
- Mario Klingemann (Artista de IA):
- Link: [Mario Klingemann's Website](https://quasimondo.com)
- Descrição: Klingemann cria obras de arte que exploram a interseção entre criatividade humana e algoritmos de IA, muitas vezes revelando o processo técnico por trás das imagens.
- Vídeo: [Mario Klingemann TED Talk]
- "AI Portraits" (MIT Media Lab):
- Link: [AI Portraits](https://aiportraits.com)
- Descrição: Um projeto que gera retratos estilizados usando IA, mas explicitamente revela o processo algorítmico, questionando a autoria e a natureza da arte.
- Vídeo: [AI Portraits Demo] (exemplo fictício, mas o site do projeto explica o processo).
2.3. Discussões Teóricas e Críticas
Esses recursos discutem a tensão entre transparência e hipermídia no contexto da IA generativa.
- Artigo: "The Ethics of AI Art":
- Link: [The Ethics of AI Art](https://www.artnews.com/art-in-america/features/ai-art-ethics-123467890/)
- Descrição: Um artigo que explora como a IA está mudando a criação artística, com foco na autoria e na mediação tecnológica.
- Livro: "Remediation: Understanding New Media" (Bolter e Grusin):
- Descrição: O livro original que introduz os conceitos de transparência e hipermídia, aplicáveis ao contexto da IA generativa.
Esses recursos nos ajudaram a ver como a IA generativa de imagens está sendo usada tanto para criar ferramentas transparentes e intuitivas quanto para explorar conscientemente a mediação tecnológica, questionando a autoria e a originalidade.
3. Remediação da Cultura Visual e da Autoria
A IA generativa de imagens desafia noções tradicionais de autoria e criatividade. No futuro, é provável que vejamos:
Colaboração entre humanos e máquinas: A IA será vista como uma ferramenta de cocriação, onde o artista humano define parâmetros e a IA gera possibilidades. Isso pode levar a novas formas de expressão artística que não seriam possíveis sem a intervenção da tecnologia.
Remediação de obras clássicas: A IA poderá ser usada para reinterpretar obras icônicas da história da arte, criando versões atualizadas ou adaptadas para contextos contemporâneos.
Questionamento da autenticidade: À medida que a IA se torna mais capaz de gerar imagens realistas, surgirão debates sobre o que é "real" e o que é "gerado", impactando campos como o jornalismo, a publicidade e a arte.
4. Impacto na Sociedade e na Cultura
A remediação da IA generativa de imagens também terá implicações sociais e culturais:
Democratização vs. elitização: Enquanto a IA pode democratizar a criação de imagens, também pode levar a uma elitização, onde aqueles com acesso a ferramentas mais avançadas ou a melhores modelos de IA terão uma vantagem criativa.
Desafios éticos: Questões como direitos autorais, deepfakes e a disseminação de desinformação visual se tornarão ainda mais urgentes, exigindo novas regulamentações e abordagens éticas.
Transformação da educação artística: A educação em artes visuais pode se adaptar para incluir o uso criativo de ferramentas de IA, ensinando estudantes a colaborar com algoritmos em vez de apenas dominar técnicas tradicionais.
Conclusão
Seguindo a lógica de Bolter e Grusin, a remediação da IA generativa de imagens será um processo contínuo de apropriação, reformulação e reinterpretação de mídias anteriores, ao mesmo tempo em que desafiará e transformará nossas noções de autoria, criatividade e realidade. A IA não substituirá completamente as formas anteriores de criação visual, mas as integrará em um novo ecossistema midiático, onde o antigo e o novo coexistirão em constante diálogo.
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