P. Ilustrações: Joana D'arc

O meu plano de estudos para o primeiro semestre letivo no High School foi World History Through Art. O meu objetivo principal é um estudo da evolução da arte em contextos históricos, com foco em estilos artísticos como reflexo de mudanças sociais, políticas e geográficas. Criar fanarts cartunescas baseadas em períodos históricos específicos. Tópicos abordados: 1) Influência da cultura pop (filmes, séries, jogos) na arte moderna e na fanart.; 2) Evolução da arte popular e seu diálogo com movimentos históricos (ex.: Renascimento, Era Vitoriana, Industrial); 3) Características chave de cada período (ex.: luz e perspectiva no Renascimento, maquinários na Era Industrial).  


Um dos desafios que eu me propus foi buscar uma referência de imagem, preferencialmente de uma mulher e do final da idade média na europa, para eu redesenhar no meu estilo cartum e articular com o que a minha mãe compartilhou comigo sobre o livro de Silvia Federici Calibán y la bruja. Logo, eu escolhi Joana D'arc.

Minha arte:

(Incluir imagem)


Minha referência:

Wikipédia 

Então, primeiro, vamos cruzar as coisas …


1. O que Federici argumenta no livro

A caça às bruxas e outros processos de perseguição de mulheres não eram apenas repressão religiosa ou “superstição”, mas parte de uma estratégia política e econômica para instaurar o capitalismo. O objetivo era destruir formas de vida e autonomia que ameaçavam o controle do Estado e dos poderes econômicos — especialmente a autonomia das mulheres sobre o corpo, a sexualidade, a reprodução e o conhecimento. Essas perseguições ajudavam a instaurar uma nova divisão sexual do trabalho e um patriarcado disciplinador, fundamental para a acumulação capitalista. A violência contra mulheres funcionava como um aviso político para toda a sociedade: não desafie a ordem emergente.


2. O que aconteceu com Joana d’Arc

Joana foi julgada e queimada em 1431, acusada de heresia e feitiçaria, num momento de conflito político e militar (Guerra dos Cem Anos). Ela era uma camponesa que se tornou líder militar e símbolo nacional, desafiando estruturas de gênero (usava armadura, comandava tropas, recusava papéis femininos tradicionais). Foi condenada por um tribunal eclesiástico aliado aos interesses ingleses e da elite francesa colaboracionista. O julgamento misturava acusações religiosas (heresia, vestir roupas de homem) com motivações políticas — neutralizar seu poder como figura popular.


3. Ligando as ideias

Embora Federici não cite Joana d’Arc, podemos fazer uma leitura à luz de sua teoria: 1) Desafiar a ordem de gênero: Joana representava uma quebra na divisão sexual do trabalho, algo que o nascente Estado centralizado não tolerava. 2) Controle político sobre corpos e símbolos: sua execução serviu como espetáculo disciplinador, semelhante às fogueiras de bruxas, para reafirmar o controle sobre o que as mulheres podiam ser e fazer. 3) Dano colateral na imposição de uma ordem econômica e social: ainda que o capitalismo pleno não estivesse consolidado em 1431, o enfraquecimento das revoltas camponesas, das heresias e da autonomia feminina já era parte da construção de uma sociedade centralizada, militarizada e com controle rígido sobre a população — elementos que Federici vê como prelúdio da acumulação primitiva. 4) Demonização política via religião: como nas bruxas, a acusação religiosa funcionou como máscara para eliminar um inimigo político que ameaçava interesses econômicos e de poder.


📌 Em resumo:

Podemos dizer que, dentro da lógica federiciana, a morte de Joana d’Arc pode ser lida como um ato exemplar de disciplinamento social e gênero que ajudou a pavimentar a centralização do poder e o controle sobre o corpo feminino — condições prévias para o capitalismo. Não foi “caça às bruxas” no sentido estrito, mas operou de forma parecida: eliminar uma mulher que simbolizava autonomia e ameaça à ordem emergente.


Então, aguardo, em segundo, vamos nos situar …


A Guerra dos Cem Anos (1337–1453) como pré-história do cenário de Federici. Embora Silvia Federici se concentre mais nos séculos XVI e XVII, a Guerra dos Cem Anos já preparava o terreno para o que ela identifica como a “contrarrevolução” que institui o capitalismo.


1. Centralização do poder e formação do Estado

A guerra fortaleceu a monarquia francesa e a inglesa, que passaram a concentrar mais autoridade política e militar. Federici mostra como o Estado centralizado é peça-chave para impor novas formas de disciplina social, leis sanguinárias contra vagabundos, regulações sobre reprodução e trabalho — algo que começa a ser possível com a centralização político-militar do final da Idade Média.


2. Militarização e endividamento

Conflitos prolongados exigiram exércitos permanentes e sistemas fiscais mais pesados, o que forçou uma reorganização econômica. A arrecadação de impostos e o endividamento dos camponeses contribuíram para a expropriação e para a perda de autonomia das comunidades — um dos pontos centrais de Federici para a acumulação primitiva.


3. Destruição de meios de vida

Guerras arrasaram campos e vilas, expulsando populações inteiras, criando migrações forçadas e massas de despossuídos. Isso antecipa o que Federici identifica como a condição ideal para a exploração capitalista: um grande contingente de pessoas separadas da terra, dependentes do trabalho assalariado ou do serviço doméstico.


4. Controle social e disciplinamento simbólico

Figuras como Joana d’Arc mostram que a guerra também foi um campo de disputa simbólica sobre o papel das mulheres. A punição exemplar de mulheres que saíam do padrão de gênero (como Joana) pode ser lida, na chave federiciana, como prototipo do disciplinamento violento que mais tarde se consolida na caça às bruxas.


5. Antecipação das “guerras contra o povo”

Federici descreve as guerras do início do capitalismo não só como conflitos entre Estados, mas como guerras internas contra populações resistentes às novas formas de exploração. Durante a Guerra dos Cem Anos, houve revoltas camponesas (Jacqueries na França, 1358; Revolta dos Camponeses na Inglaterra, 1381) que já expressavam essa resistência à centralização e à perda dos comuns.


💡 Conclusão:

A Guerra dos Cem Anos não foi ainda o momento da grande “caça às bruxas” ou da completa transição ao capitalismo, mas criou as condições políticas, econômicas e simbólicas que tornariam possível o processo que Federici analisa:

Estados fortes e capazes de reprimir de forma coordenada;

Populações despossuídas e mais controladas;

Violência exemplar contra quem desafiava a ordem de gênero e poder, como Joana d’Arc.


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