P. Ilustrações: Redesenhei a Mona Lisa e a Moça do Brinco de Pérola no Estilo Cartum
O meu plano de estudos para o primeiro semestre letivo no High School foi World History Through Art. O meu objetivo principal é um estudo da evolução da arte em contextos históricos, com foco em estilos artísticos como reflexo de mudanças sociais, políticas e geográficas. Criar fanarts cartunescas baseadas em períodos históricos específicos. Tópicos abordados: 1) Influência da cultura pop (filmes, séries, jogos) na arte moderna e na fanart.; 2) Evolução da arte popular e seu diálogo com movimentos históricos (ex.: Renascimento, Era Vitoriana, Industrial); 3) Características chave de cada período (ex.: luz e perspectiva no Renascimento, maquinários na Era Industrial).
Um dos desafios que eu me propus foi buscar uma referência de imagem, preferencialmente de uma mulher, para redesenhar no meu estilo cartum e articular com o que a minha mãe compartilhou comigo sobre os livros de Silvia Federici.
Primeiro: porque redesenhar no meu estilo cartum?
Essa é uma pergunta fantástica e uma reflexão muito rica, que nos leva direto ao cerne da nossa conversa dessa postagem. Redesenhar essas obras no estilo cartum não é apenas uma brincadeira; é, sem dúvida, um ato de subversão. E a subversão, nesse caso, acontece em pelo menos três níveis, todos intimamente conectados com o que vamos discutir sobre Silvia Federici e o silenciamento das mulheres.
1. Subversão do "Gênio" e da Autoridade da Alta Arte. O estilo cartum, por sua natureza, é popular, acessível e muitas vezes cômico. Ao traduzir obras-primas que foram veneradas por séculos em um formato tão "rebelde" e informal, você está desarmando o poder e a seriedade da "alta arte". A obra original é vista como a expressão de um gênio masculino, intocável e definitiva. A versão em cartum diz: "Eu também posso re-narrar essa história. Eu posso brincar com ela. Eu posso transformá-la." Essa ação tira a obra de seu pedestal no museu e a coloca em um novo contexto, onde a autoridade do artista original não é a palavra final. É um ato de apropriação criativa que democratiza a imagem, tirando-a das mãos da história da arte oficial e a devolvendo ao público para que a reinterprete.
2. Subversão da Passividade e do Silêncio da Musa. Este é o ponto mais crucial e onde a sua reflexão se conecta diretamente com a de Federici. Como falamos, a Mona Lisa e a Moça do Brinco de Pérola são, em grande medida, a imagem idealizada da "musa" - bela, serena, passiva. O cartum tem o poder de quebrar essa passividade. A Mona Lisa, com seu sorriso enigmático, pode agora ter uma expressão diferente e até um pet consigo. O que era um mistério imposto pelo pintor torna-se uma expressão de sentimento da personagem. A Moça do Brinco de Pérola, cuja boca está ligeiramente entreaberta como se fosse falar, mas não fala, pode agora ter sua expressão exagerada para mostrar indignação ou alegria. O redesenho em cartum é como se você abrisse a fresta que a história trancou e, com humor e exagero, desse a essas mulheres uma voz e uma agência que a obra original lhes negou. É a versão em desenho animado do que Federici fez com o texto: usar uma nova linguagem para dar voz a quem foi historicamente silenciado.
3. Subversão da Idealização e da Conformidade. O estilo cartum não busca a perfeição; ele busca a expressão, a característica, a personalidade. As linhas simples e as cores vivas podem destacar traços que a pintura original suavizou, humanizando as figuras. A Mona Lisa, que é a representação máxima da perfeição feminina na história da arte, é "desperfeita" pelo cartum. Ela deixa de ser a imagem de um ideal e se torna uma personagem com suas próprias idiossincrasias e emoções. É uma crítica à pressão que a sociedade impôs às mulheres de se encaixarem em um ideal de beleza serena e composta. Em suma, o redesenho dessas obras no estilo cartum não é apenas uma releitura estética, mas uma releitura política. É a "bruxa" da cultura popular usando o seu poder criativo para desafiar e re-imaginar a "musa" da alta cultura, dando voz, corpo e personalidade a quem foi reduzido a um ideal silencioso. É uma forma de dizer: "Eu vejo a história por trás da beleza e, com minhas próprias ferramentas, vou dar a essas mulheres a voz que a história lhes tirou."
O que mais você acha que esse tipo de subversão pode alcançar? Deixa seu comentário!
Segundo, agora, vamos mergulhar numa desconstrução dessas obras icônicas através de uma lente feminista, como se estivéssemos olhando para a história através de uma fresta que só agora se abriu.
Mona Lisa (Leonardo da Vinci)
No meu estilo cartum:
À primeira vista, vemos a imagem que se tornou a epítome da arte ocidental, a mulher perfeita, enigmática, com um sorriso misterioso que fascina há séculos. Mas, sob uma perspectiva feminista, podemos questionar:
O Sorriso Enigmático como Silêncio Feminino: O que se esconde atrás desse sorriso? Será que é realmente um mistério sedutor, ou é o resultado de uma sociedade que exigia das mulheres uma composição perfeita e um certo silêncio? Esse sorriso pode ser interpretado como a face pública, a máscara que uma mulher precisava usar para ser aceita e valorizada, escondendo qualquer inquietação, desejo ou opinião própria. O mistério não estaria nela, mas na nossa incapacidade de ver a pessoa por trás da imagem idealizada. Ela não é uma mulher, mas a ideia de uma mulher que o pintor e a sociedade da época idealizaram.
O Olhar Direcionado para o Espectador: Ela nos olha diretamente, mas a obra não nos convida a conhecê-la, e sim a decifrá-la. Somos o "gaze" masculino, o olhar do poder que a observa e tenta categorizar. Ela é um objeto de contemplação, não um sujeito de ação. A Mona Lisa é a tela sobre a qual a história projeta seus anseios e fantasias sobre o que uma mulher deve ser: bela, serena e insondável. O que ela realmente pensava, sentia ou sonhava, a obra não revela. O que importa é a nossa interpretação dela, não a dela sobre o mundo.
A "Mulher-Paisagem": A paisagem de fundo é uma extensão dela mesma, misturando-se com a sua figura. Isso a transforma de uma pessoa em um elemento da natureza, um objeto belo a ser apreciado. A sua individualidade é diluída na grandiosidade da cena, servindo de inspiração para a genialidade de Da Vinci, e não como uma pessoa com uma história própria.
Moça com o Brinco de Pérola (Johannes Vermeer)
No meu estilo cartum:
Essa obra é frequentemente chamada de a "Mona Lisa do Norte". Ela também nos cativa com seu olhar e com a simplicidade e pureza da imagem. Mas, uma leitura feminista nos leva a questionar a sua aparente inocência.
A Inocência Forçada e a Vulnerabilidade: A moça é jovem e o seu olhar, embora direto, é de uma vulnerabilidade quase palpável. A boca está ligeiramente entreaberta, como se estivesse prestes a falar, mas a palavra nunca chega. Ela é um símbolo de inocência e pureza, qualidades que a sociedade da época valorizava (e muitas vezes exigia) das mulheres jovens. Ela não é uma mulher com agência, mas um recipiente da beleza idealizada e passiva. O brinco de pérola, deslumbrante e luminoso, não é um adorno que ela escolheu, mas um detalhe que o pintor usou para nos seduzir, destacando a sua delicadeza.
O Fundo Escuro e a Ausência de Contexto: Ao contrário da paisagem na Mona Lisa, o fundo escuro da Moça com Brinco de Pérola é um vazio total. Não sabemos de onde ela veio, quem ela é, qual a sua história. Ela é despojada de qualquer contexto, de qualquer vida. Isso a torna um puro objeto, uma tela em branco onde podemos projetar nossas próprias ideias sobre a beleza e a juventude femininas. Sua existência se resume àquele momento, àquele olhar, àquela representação. Sua história, se é que ela tem uma, não tem importância.
A Posse e o Olhar do Pintor: O que vemos é a sua imagem, capturada pelo pintor. O olhar dela para nós é, na verdade, o olhar dela para ele. É a sua beleza que está sendo capturada e possuída pela arte, pelo olhar masculino que a imortaliza. Ela não se revela a nós; ela é revelada a nós. A obra é um testamento da capacidade do artista de capturar a beleza, não da capacidade dela de se expressar.
O que se esconde nos "Bastidores"?
A sua pergunta sobre o "bastidor" é a chave para a análise feminista. A leitura tradicional de arte nos convida a admirar a beleza e a maestria técnica do artista. A leitura feminista nos pede para olhar para o que foi omitido, para o que foi silenciado.
O bastidor dessas obras é a vida da mulher na sociedade da época. São as vozes que não foram ouvidas, as histórias que não foram contadas, as aspirações que foram abafadas. Essas mulheres, na vida real, provavelmente tinham vidas complexas: talvez fossem mães, esposas, trabalhadoras, talvez tivessem sonhos artísticos próprios, talvez estivessem exaustas ou deprimidas.
Essas obras não mostram mulheres, mas sim a idealização que os homens tinham delas: belas, compostas, misteriosas, silenciosas e, acima de tudo, passivas. São obras de gênio, sem dúvida, mas o que a lente feminista nos mostra é que o gênio artístico foi construído sobre a invisibilidade e o silenciamento de suas modelos. A beleza dessas mulheres na tela é diretamente proporcional à ausência de sua agência e voz na vida real.
Essas obras nos ensinam que a história da arte, como grande parte da história, é uma história de poder e perspectiva. O poder de quem cria a imagem e a perspectiva de quem tem o privilégio de ser o narrador. O documentário Ways of seeing de John Berger aponta bem isso:
O que essas análises despertam em você? Que sentimentos ou contradições elas trazem à tona? Pra mim, fazer essas análises com o apoio da inteligência artificial me trouxe a leitura de "Calibã e a Bruxa", que foi uma experiência transformadora quando minha mãe compartilhou comigo, justamente por isso: ela muda o nosso olhar. A Silvia Federici nos força a ver o que a história oficial escondeu, e a perceber que a violência contra as mulheres e a invisibilidade de seus trabalhos e saberes não foram acidentes, mas sim um projeto.
O Silenciamento como Estratégia de Poder
A história nos é contada como um progresso linear, mas a Federici mostra que a transição para o capitalismo foi, para as mulheres, um retrocesso brutal. As caças às bruxas, por exemplo, não foram apenas fanatismo religioso; foram um instrumento de terror para disciplinar o corpo feminino, expropriar o conhecimento ancestral sobre a cura e as ervas (o que hoje chamaríamos de medicina popular), e forçar as mulheres para dentro do lar, submetendo-as ao trabalho reprodutivo e doméstico não remunerado.
Quando olhamos para a Mona Lisa ou a Moça do Brinco de Pérola com essa lente, não vemos mais apenas a arte. Vemos a arte como um reflexo desse processo de silenciamento. Essas mulheres impecavelmente compostas não são apenas modelos; elas são a imagem de um ideal feminino que estava sendo construído e imposto. A sua serenidade na tela é a antítese da agitação, da resistência e da punição que muitas mulheres da época enfrentavam.
Da bruxa à musa
É fascinante pensar nesse contraste: 1) A Bruxa. Uma mulher que detinha conhecimento, que curava, que compartilhava saberes com outras mulheres, que desafiava a autoridade da Igreja e do Estado. Uma figura perigosa, cuja voz precisava ser calada. 2) A Musa: Uma mulher idealizada, bela, passiva, que inspira a genialidade masculina, mas que não tem voz própria. Uma figura segura, cuja existência serve para embelezar o mundo e a arte do homem.
A transição de uma para a outra é uma forma de violência simbólica. Onde antes havia um sujeito com poder e autonomia (a bruxa, mesmo que na percepção da época), a nova ordem criou um objeto de admiração (a musa). É a domesticação da voz feminina, a transformação de uma força em uma imagem estática.
A Lição para Nossas Vidas
Isso nos leva a pensar: em que medida esse processo continua a influenciar nossa sociedade? A cultura ainda nos ensina a valorizar o "ser" musa (bela, agradável, misteriosa) em detrimento do "ser" bruxa (com voz própria, conhecimento, e disposta a questionar o status quo)?
A beleza impecável dessas pinturas não é a beleza da liberdade, mas a da conformidade. E a sua pergunta sobre o "bastidor" é fundamental, pois nos convida a ouvir o eco das vozes que foram caladas para que essa beleza pudesse ser exibida. O bastidor é o silêncio que a história impôs.
A reflexão é um convite para fazermos esse trabalho de "des-ver" a história, de olhar para trás e tentar, com a nossa imaginação e com a literatura como a de Federici, dar voz a quem foi negado o direito de falar.
O que mais você sente que está "des-vendo" depois dessa leitura? Compartilha nos comentários!
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