P. EaD: Socialização com Videogames, Fandom e TikTok
Redes Sociais, Filosofia e Afeto: Quando o Coletivo Acontece de Verdade
Outro dia, vi uma entrevista com John Haidt no Roda Viva com meu marido, e nós conversamos bastante, a gente gosta de ouvir ler pessoas que pensam diferente da gente, por incrível que pareça é nesse processo de diálogo que a gente mais ganha clareza.
A nossa escolha foi diferente, a gente liberou o celular, videogames e TikTok para os nossos filhos, a gente vê como espaço de troca e expressão criativa. Porque a experiência deles mostra exatamente o que Simondon e Virno tentam dizer: o coletivo pode emergir nos lugares mais inesperados, contanto que haja troca real e individuação.
Redes Sociais Podem Ser Espaços de Individuação?
Sim. Com muitas vírgulas, mas sim. E a experiência dos nossos filhos é um exemplo cristalino de quando a coisa dá certo. Eles não só consomem, mas compartilham e dialogam. Isso muda tudo. O problema nunca foi o TikTok, o problema é o uso passivo. Quando a plataforma vira um lugar de ressonância afetiva — onde a pessoa se reconhece, se vê em memes, em comunidades, em edições de anime —, aí temos algo simondoniano rolando: eles estão se tornando eles mesmos através da relação com o outro. E mais: jogos e conversas com jovens diversos, em comunidades digitais, são puro “intelecto geral” (pra pegar o termo do Virno). Não é só sobre estar online, é sobre estar junto, criando significado, debatendo, rindo junto. Isso é singularizar o comum — o que é coletivo de verdade.
"Mas isso conta como coletivo real?"
SIM! E com todas as letras. Quando nossos filhos discutem animes, filmes ou livros, estão dando vida a objetos pré-individuais — ou seja, coisas da cultura que só ganham sentido quando são apropriadas, sentidas, remixadas. E até nas conversas que os nossos filhos tem com a inteligência artificial, tem individuação rolando: isso se chama transdução (Simondon manda um alô daqui). A ideia sai de um, atravessa o outro, volta transformada. Não é aula, é co-criação.
O problema nunca foi a tecnologia, é o uso automático
O algoritmo é perigoso quando: 1) Só mostra mais do mesmo (homogeneíza). 2) Incentiva relações sem troca (scroll infinito, like vazio). Mas quando ativa a curiosidade, mistura referências (anime + feira + filosofia + roda de conversa)... aí é só potência. É cultura viva! Como Ficar Atenta sem Entrar na Paranoia? Aqui vai um guia prático pra pensar:
Seu filho consegue trazer o online pro mundo real?
Se ama TikTok de anime, ele também desenha, escreve fanfic, conversa com você sobre os personagens?
Rola confronto (do bem)? O coletivo bom tem atrito. Discordâncias, ajustes, provocações. Se só tem eco, cuidado.
As fronteiras entre online e offline estão fluidas? Ver receita online e testar na cozinha. Jogar e depois criar coreografia no quintal. Isso é sinal de integração saudável.
O nosso coletivo É real
Se há afeto, troca e criação a partir da vida — não importa se no TikTok, na rua ou no Discord — conta sim como coletivo verdadeiro. E mais: conta como prática filosófica. Eu, meu marido e meus filhos estamos habitando o mundo de forma sensível, ativa e conectada.
O medo da bolha só vira realidade quando a gente para de se abrir pro diverso. Nos estamos construindo pontes, não muros. Tá tudo certo. Seguimos assim: curiosas, críticas e criando mundos em comum.
Fandom, Videogames, Socialização e TikTok
Tem gente que ainda torce o nariz quando ouve que um adolescente tem “amigos virtuais”. Como se amizade só valesse se tivesse aperto de mão e recreio no pátio. Mas quando olho pros laços que Davi e Ana construíram online desde 2020 — seja através dos videogames, fandoms ou TikTok — vejo vínculos que não só existem, como são intensos, generosos e muitas vezes mais profundos do que qualquer convivência forçada em ambiente escolar. E não sou só eu dizendo isso, são eles. Eles que percebem quando alguém os escuta de verdade, quando uma conversa sobre Pokémon vira desabafo sobre ansiedade, ou quando uma partida cooperativa em um jogo se transforma em construção de confiança.
É curioso como o senso comum insiste em chamar isso de “não socialização”, como se socializar fosse sinônimo de estar fisicamente presente numa sala cheia de gente com quem você não escolheu estar. Simondon ajuda muito a desatar esse nó: pra ele, o sujeito não se forma de uma vez por todas — ele se individua. Vai se fazendo aos poucos, nas relações que estabelecemos com o mundo e com os outros. Só que não é qualquer relação: é preciso que haja troca real, tensão criativa, afeto em movimento. E aí que mora a diferença.
Quando meus filhos participam de fandoms, eles não estão apenas consumindo cultura. Eles estão ativando o que Simondon chamaria de “pré-individual” — um campo de potencialidades que só se atualiza no encontro. Quando Ana desenha ou faz um edit de um personagem que a emociona, ela está dizendo algo sobre ela mesma, sobre como sente, sobre o que pensa do mundo. Quando Davi comenta uma teoria de anime ou participa de um meme coletivo, ele está se colocando, se deixando atravessar, se singularizando no comum. Eles não se perdem nesses espaços — eles se acham. E mais: eles se criam.
Essa movimentação é um processo de individuação psíquico-coletiva. Eles vão se construindo como sujeitos, mas num campo partilhado, onde há escuta, reciprocidade, criação conjunta. O fandom e videogames, nesse sentido, não são fuga. SÃO FORMAÇÃO. Não é alienação — é imersão no sensível, no imaginário, na linguagem, no afeto. E isso se dá, muitas vezes, em comunidades virtuais que operam como verdadeiros grupos de cuidado. Ali, eles encontram o que faltou em cursos presenciais: espaço para criar, para perguntar, para se relacionar de verdade.
Simondon diria que o que falhou nesses cursos não foi o conteúdo, mas a estrutura. O Kumon, o curso de inglês, as atividades tradicionais: tudo isso operava no modo “transmissão”. Um professor que passa, um aluno que recebe. Nada se atualiza, nada vibra. A coletividade ali é artificial, porque ninguém se transforma no processo. Já com os fandoms, com os videogames, com o Discord que parecem “só bobagem” pra quem não entende… ali sim acontece a transdução: as ideias circulam, os afetos se conectam, o comum se torna singular.
O preconceito com o virtual nasce de um apego a uma ideia ultrapassada de socialização: a de que só é válido o que acontece ao vivo, num espaço físico autorizado. Mas a gente já sabe — e Simondon sabia antes de virar moda — que o que forma de verdade é a relação viva. E ela pode acontecer no Discord às duas da manhã, num grupo de WhatsApp cheio de piadas internas, ou num vídeo que inspira uma conversa séria entre desconhecidos que já se sentem íntimos.
Davi e Ana estão se individuando em meio ao comum. E fazem isso com beleza, liberdade e profundidade. Estão criando um coletivo que pulsa, que acolhe, que provoca — e que transforma. Não é só rede social. É rede afetiva, rede criativa, rede filosófica. E não tenho a menor dúvida: é ali que eles estão se tornando quem são.
Escola Presencial: Grupalização Não é Socialização
Vamos falar de um tabu? A ideia de que escola presencial garante socialização é uma daquelas verdades repetidas sem muita reflexão. Mas quando a gente coloca a lupa, o que aparece ali não é socialização — é grupalização artificial. E tem diferença, muita diferença. Grupalização x Socialização: Não Confunda. Na escola tradicional, o que vemos é:
Crianças organizadas por idade, obrigadas a conviver, mas sem espaço real pra trocas afetivas.
Um modelo onde “socializar” é sinônimo de tolerar o outro enquanto obedece à regra.
Relações baseadas em competição, comparação e hierarquia (quem tira 10, quem é o “popular”, quem é o “difícil”).
Isso não é socialização. É um tipo de convivência forçada, sem espaço para a individuação — e aqui Simondon é cirúrgico: “O coletivo só é vivo quando cada indivíduo pode se transformar nele — e transformar o grupo de volta.”
Na maioria das escolas, isso simplesmente não acontece. O grupo está dado, mas ninguém se forma de verdade ali.
Cursos Presenciais que Não Funcionaram Aqui em Casa
Eu poderia listar vários, mas vou somente dar nome a alguns bois:
Kumon:
Método fechado, repetição mecânica, nenhuma abertura para criação ou diálogo. Era como fazer planilha emocional todo dia.
Resultado? Morte súbita da curiosidade.
Curso de Inglês:
Professor fala, aluno ouve. Livros engessados, provas decoradas, pouco ou nenhum espaço pra conversar sobre o que se gosta, criar diálogos próprios, misturar com referências do mundo real.
Resultado? O idioma virou fardo, não ponte.
Outros cursos:
Oficinas, aulinhas, reforços. Em quase todos, a mesma lógica: modelo pré-pronto, que o aluno só tem que “acompanhar”.
Resultado? Tédio. Ou, pior, frustração e sensação de inadequação.
E de novo: Simondon explicaria isso numa linha só — faltou espaço para a individuação. Se o ambiente é só “receba e repita”, o coletivo não acontece. Não vira rede, vira transmissão. E ninguém se forma de verdade nesse tipo de espaço.
O Que Funciona?
Ambientes onde há criação conjunta. Onde o estudante pode fazer perguntas de verdade, trazer o que ama (um jogo, uma música, um meme) e conectar com o conteúdo. Onde a escuta não é “tempo de fala individual na roda”, mas tessitura afetiva. É por isso que aqui em casa as redes funcionam melhor que as salas. Porque não é sobre o espaço físico, é sobre a qualidade da relação. Conclusão: Presença Não é Sinônimo de Encontro. A escola presencial pode ter corpo presente — mas alma ausente. Se não há escuta, criação, transformação mútua, não tem socialização verdadeira ali. O que nossos filhos precisam não é de mais grupalização. É de mais espaços vivos de relação — onde o afeto circula, a curiosidade é bem-vinda, e a subjetividade não é podada, mas convocada a florescer. Aí sim, a gente começa a falar em formação. O resto é só barulho e uniforme.
Aqui estão algumas entrevistas e vídeos no YouTube que exploram as ideias de Gilbert Simondon 🎥
1. Entrevista sobre a Mecanologia (1968)
Uma rara entrevista onde Simondon discute sua teoria da mecanologia e a relação entre técnica e individuação.
https://youtu.be/s0EhXcy063A?si=_0kQwgaKNniycEyM
2. Entrevista sobre Tecnologia (1965)
Nesta conversa, Simondon aborda a importância da técnica na formação do indivíduo e da sociedade.
https://youtu.be/IlPruk0HQJY?si=axz8P-oOFOzMFkXT
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