P. Ilustração: Sarah Van Dongen

O estilo libertador de Sarah Van Dongen: uma análise afetiva e visual


As ilustrações de Sarah Van Dongen têm algo de íntimo e revolucionário ao mesmo tempo. Para quem cresceu ouvindo que “desenho bom” é aquele que se parece com uma fotografia, o traço de Sarah soa como um grito gentil de liberdade. A seguir, compartilho uma análise das imagens que me tocaram profundamente — e que me abriram caminhos para encontrar meu próprio estilo de desenhar.


1. Cotidiano como poesia visual

Sarah frequentemente retrata cenas simples: pessoas lendo, tomando café, conversando, costurando. O encanto está justamente no fato de que essas cenas não estão sendo idealizadas, mas sim humanizadas. A casa é imperfeita, os corpos têm formas variadas, os cabelos não são todos “domados”. Há vida ali — e o cotidiano, que tantos ignoram, vira arte.


2. Paleta emocional e simbólica

Ela utiliza cores suaves e vibrantes ao mesmo tempo. Muito azul, verde, amarelo-mostarda, terracota. Não é uma paleta realista, e isso é intencional: as cores carregam emoção, não apenas luz. Uma blusa vermelha pode simbolizar intensidade. Uma parede azul-esverdeada pode acalmar. Não estamos vendo a realidade, mas o que ela nos faz sentir.


3. Contorno visível, linhas orgânicas

As linhas são quase sempre visíveis e nada “perfeitas” — e isso é maravilhoso. O contorno preto ou escuro marca bem as figuras, mas elas não são “duras”; são acolhedoras, soltas. As linhas não precisam ser retas, nem as formas simétricas. Isso abre espaço para que quem desenha (como eu) se permita errar, experimentar, brincar. O cartum é isso: gesto, expressão, movimento.


4. Detalhes que contam histórias

Os objetos em volta das personagens sempre dizem algo. Livros, plantas, meias coloridas, tapeçarias, papel de parede com padrões ousados. Tudo compõe a narrativa. Sarah não desenha só personagens: ela cria atmosferas. E essa ambientação tem memória, cultura, humor. Ao invés de buscar o “realismo”, ela busca sentido. E encontra.


5. Representação afetiva do corpo

Os corpos de Sarah não são atléticos ou idealizados. São corpos que habitam o mundo com tranquilidade. Pernas peludas, peitos caídos, barrigas reais, posturas confortáveis. Isso é revolucionário. Especialmente para meninas que cresceram ouvindo que o corpo precisa se adequar ao olhar dos outros. A arte dela nos ensina a olhar com ternura.


Reflexão Final 

Durante muito tempo, eu sentia vergonha de desenhar no estilo que eu amava: cartum. Parecia que, se não fosse 'realista', não era bom o suficiente. Ninguém dizia isso diretamente, mas o silêncio nos grupos, os elogios sempre para quem fazia arte ‘parecida com foto’, tudo isso me fazia querer desistir. Até que conheci a Sarah Van Dongen. E o mundo dela me disse: você pode! Você pode amar o traço que você tem. Pode contar histórias com ele. Pode sentir orgulho. Desde então, nunca mais parei.


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