P. Cine & Tela: Garotos do Bem
Assisti ao filme “Garotos do Bem” (I figli della notte, disponível na Netflix) com o estômago embrulhado e o coração esmagado. Baseado no chocante caso real do Massacre do Circeo, o longa reconstrói um dos episódios mais brutais da história recente da Itália — e expõe, com dolorosa precisão, o que o patriarcado é capaz de proteger quando os criminosos são homens, ricos, brancos e “de boas famílias”.
Na década de 1970, três rapazes "bem-nascidos" sequestraram, torturaram e estupraram duas meninas de origem humilde por dois dias. Uma delas sobreviveu. A outra, Rosaria Lopez, foi assassinada. A motivação dos agressores? “Passar o tempo. Se divertir. Para eles, aquelas meninas eram descartáveis. Um corpo, uma coisa.
Mas o mais absurdo não é apenas o crime — é o que o Estado, a mídia e a sociedade fizeram com ele. Na época, o estupro na Itália ainda era considerado crime contra a moral pública — e não contra a pessoa. Isso significa que a agressão sexual era tratada como uma “ofensa aos bons costumes”, e não como uma violação da dignidade e integridade física de uma mulher. Só em 1996 o estupro passou a ser reconhecido juridicamente como crime contra a pessoa. Tão tarde. Tão vergonhoso.
Quantas Rosarias morreram antes disso?
Quantas sobreviveram e foram silenciadas?
Esse caso, como tantos outros no Brasil e no mundo, mostra como o machismo estrutural se alia ao racismo e ao classismo para produzir e justificar violências. As vítimas não foram tratadas como vítimas. Os rapazes foram retratados por muitos como jovens desajustados, “perdidos”, meninos "bem criados" que “exageraram”. Houve quem falasse em “erro de juventude”.
É isso que Sílvia Federici, que a minha mãe compartilhou trechos, nos ajuda a ver com clareza: o corpo das mulheres sempre foi território colonizado, campo de batalha, moeda de troca ou de punição. Em Calibã e a Bruxa, ela mostra como os cercamentos da terra andaram junto com os cercamentos do corpo — e como o capitalismo, em suas origens, se sustentou sobre a domesticação forçada do desejo feminino e a destruição da autonomia das mulheres.
“Para os homens, a sexualidade das mulheres precisava ser controlada. Para o Estado, sua reprodução precisava ser administrada. E para o capital, sua força de trabalho precisava ser gratuita.” Federici
Os monstros não nascem. São educados.
É impossível ver esse filme e não pensar nos garotos. Não só nos criminosos — mas em todos os meninos que crescem em culturas onde a masculinidade é sinônimo de dominação, frieza, invulnerabilidade.
Esses “filhos da noite”, como o título original sugere, são filhos de uma pedagogia da brutalidade, onde:
chorar é fraqueza,
sentir é coisa de menina,
desejar é conquistar, consumir, violar.
Como escreve bell hooks, outro autora que a minha mãe compartilhou trechos comigo, em O feminismo é para todo mundo, o patriarcado não só oprime as mulheres — ele destrói a humanidade dos homens:
“Os meninos não nascem odiando as mulheres. Eles aprendem. Aprendem que o amor é humilhação, que o sexo é domínio, que a empatia é fraqueza. E então chamam isso de ‘ser homem’.”
Tem um documentário que a minha mãe me chamou para vermos juntas e mostra justamente isso:
“Garotos do Bem” nos obriga a lembrar. Nos obriga a ver, mesmo quando queremos fechar os olhos. Nos obriga a entender que a justiça não virá por inércia — ela precisa ser exigida, gritada, construída. E mais: nos lembra que feminismo não é um exagero. É sobrevivência. Que aprender a amar, a respeitar, a sentir, a recusar os pactos do patriarcado — é trabalho político. E que cada vez que uma mulher fala, escreve, denuncia ou sobrevive, o mundo balança um pouco mais rumo à vida.
Para continuar refletindo:
“Calibã e a Bruxa”, de Silvia Federici
“O feminismo é para todo mundo”, de bell hooks
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Porque o silêncio, a vergonha e a impunidade são os melhores aliados da barbárie.
🕯️ Por Rosaria.
✊ Por todas.
🖤 Pela vida.
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