P. Videogames: Ordens imaginadas no The Sims 4



O Mundo em Pixels: O Que The Sims 4 me Ensinou Sobre a Vida Real

Sabe aquela sensação de que o mundo é moldado por regras invisíveis? Eu comecei a entender isso jogando The Sims 4. O que parecia ser apenas um jogo de simulação se tornou uma lente para enxergar como a sociedade funciona, desde hierarquias até o poder das nossas escolhas.

As Regras Invisíveis do Jogo (e da Vida)

Ao criar meus Sims, percebi que eles vivem dentro de uma ordem imaginada. Não são leis escritas, mas narrativas que ditam quem tem poder e quem não tem. Por exemplo: um Sim rico já começa com uma mansão, acesso a festas exclusivas e melhores empregos. Já um Sim pobre mora em uma casa simples e precisa ralar muito mais para subir na vida. É um sistema de castas digital.

Isso ecoa a ideia de Pierre Bourdieu: a vida social funciona como um “jogo” no qual cada um entra com diferentes tipos de capital (econômico, cultural, social, simbólico). Um Sim que nasce em família rica já traz consigo privilégios invisíveis, enquanto outro, sem esses capitais, precisa gastar energia e tempo só para alcançar patamares básicos. No fundo, o jogo revela o que chamamos de habitus — disposições incorporadas que fazem com que uns se movam com naturalidade em certos espaços sociais, enquanto outros parecem sempre deslocados.

Histórias que Mantêm a Ordem

Esse mecanismo não é exclusivo de pixels. Como lembra Yuval Harari, vivemos sustentados por “ordens imaginadas”: narrativas compartilhadas que estruturam a sociedade.

“Ele é o rei, obedeçam-no.”

“Esta família tem dinheiro, então é mais importante.”

“Você é mulher, então não pode fazer isso.”

Essas histórias se tornam sólidas porque acreditamos nelas coletivamente. Bourdieu chamaria isso de violência simbólica: quando aceitamos desigualdades como se fossem naturais, mesmo que sejam produtos históricos e culturais.

Hierarquias em Ação

Jogando, fica evidente como a hierarquia permeia tudo. Sua profissão, sua roupa, até seu jeito de falar e se comportar ditam como os outros Sims interagem com você. Um Sim com roupa de grife é tratado com mais respeito do que um com uma camiseta rasgada.

Aqui entra o interacionismo simbólico. Para pensadores como Erving Goffman, a vida social é um palco: nós performamos papéis e nos apresentamos uns aos outros. A roupa, o tom de voz, os gestos — tudo comunica quem somos (ou quem queremos parecer). O Sim de terno caro não é só um conjunto de pixels: ele encarna um status que muda imediatamente a forma como os outros o tratam. É a “definição da situação” em ação.

A Cultura como Construção Viva

Minha mãe também me falou sobre a bióloga Eva Jablonka, que mostra como a cultura é herdada e transformada. Não cai do céu: é criada, disputada, reinventada. No jogo, eu pude ver isso com clareza. Quando decidi que minha família Sims não iria mais acumular dinheiro, mas viveria no campo de modo simples e colaborativo, eu quebrei a lógica dominante do jogo.

O mesmo vale fora da tela. George Herbert Mead, no interacionismo simbólico, lembraria que nossa identidade se forma justamente no diálogo com os outros: é no reflexo social — no “espelho” de como somos vistos — que descobrimos quem somos. Ao criar novas práticas, novos jeitos de viver, também oferecemos novos espelhos para os outros se reconhecerem.

Lição Final – Narrativas São Maleáveis

Construí parques, centros culturais e bibliotecas no jogo. E percebi como a presença desses espaços transformava a vida dos Sims. Cidades com mais áreas culturais se tornavam mais saudáveis e felizes. Isso mostra que não é a cultura que nos molda de forma rígida; somos nós que a reconstruímos, a cada escolha, a cada interação.

No fim das contas, The Sims 4 me ensinou que a vida real e o mundo virtual compartilham a mesma lógica: regras invisíveis, narrativas coletivas e hierarquias de prestígio. Mas também me ensinou algo mais: que podemos jogar diferente. Se os capitais e os habitus parecem definir tudo, ainda assim existe espaço para invenção, subversão e novas histórias. E é nesse espaço que a vida fica mais interessante — dentro e fora da tela.

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